“Passei a ser olhado com atenção/ E fui agradecer pela
opinião/Então senti que o broto estava toda mudada/ Parecia até que estava
apaixonada… Vesti azul! Minha sorte então mudou…”
Me diverti demais com a letra da música que - pasmem! - não
conhecia, e segui em frente pensando no brotinho, no rapaz que de repente teve
sorte… e na vida da gente, que poderia mudar assim, num piscar de olhos,
bastando um amuleto que nos desse confiança para seguir em frente.
Lembrei do Dumbo, o personagem de Walt Disney que acreditava
que voava só por causa de uma pena mágica. Um amuleto oferecido por Timóteo, o
ratinho, para lhe dar confiança. Sem saber que realmente voava, Dumbo quase
colocou tudo a perder quando a pena se soltou de sua tromba. Prestes a se
espatifar no chão, foi alertado por Timóteo, que aos berros disse: “Você
voa!!!!” e assim o fez recuperar as forças e planar.
O tempo nos permite desmistificar certas neuras que insistem
em habitar nosso espírito; vamos adquirindo ginga, fortalecendo nossa alma e
perdendo o medo de arriscar.
Arriscar leveza, sorrisos, audácia. Aprendemos a olhar nos
olhos, a assumir nosso lado mais humano e nem por isso pior.
Outro dia fui abordada com uma pergunta capciosa no meio de
um almoço de família. Da cabeceira da mesa surgiu a dúvida: “E você, não
cozinha nem no fim de semana?” Fui pega de surpresa, e me senti na obrigação de
dar explicações, já que cozinhar nunca foi meu forte. Gaguejando, perdendo a
ginga e deixando a “pena” escapar, fui justificando minha pouca habilidade
culinária. Só depois me dei conta da cilada.
Fui soberba. Quis mostrar que dava conta do recado, quando na
verdade não dou. Poderia ter respondido apenas “Não”.
… um “não” suave, sincero, simples. Um não redentor, olhos
nos olhos, sem culpa.
É difícil aceitarmos nossas incompletudes. E nos habituamos a
escondê-las, como se fossem defeitos. Não são.
Tem gente que não dirige, mas faz um risoto de sonho. Outros,
tratam o computador como alien, mas operam lâminas e bisturis com a precisão de
deuses. Tem gente que não cozinha, mas toca Bach ao piano divinamente. Algumas
mães sentam no chão e passam horas brincando. Outras, inventam histórias e
buscam na escola… cada um do seu jeito, certos e incompletos, porque perfeito,
só Deus.
Vestir azul é reconhecer-se apto para o que você tem de
melhor e não se martirizar por aquilo que ainda não é capaz, não gosta ou não
quer.
Passamos muito tempo flertando com a perfeição e pecamos por
excesso de soberba.
Temos dons, mas somos falíveis.
Temos que reconhecer nossos limites, aquilo que não nos cai
bem, o que não é do nosso feitio. Por que essa pretensão de querer dar conta de
tudo?
Se sua “pena” escapar ou a “camisa azul” não estiver
disponível, alivie seu peso. Deixe espaço para aqueles que também lutam por seu
lugar no mundo.
Sigamos em frente com humildade, reconhecendo que um simples
“não consigo” não é sinal de fraqueza, e sim maturidade.
Você não deixará de ser quem é só porque faz café fraco ou
coloca água demais no feijão…
__Fabíola Simões