O pássaro que voará mais alto é o pássaro que nunca desistiu
de puxar a coleira.
Será a ave amarrada pelas patas que não se conformou com o
confinamento da gaiola e que toda manhã esticará seu corpo até o máximo.
Até o máximo daquele dia.
Não pode se soltar, mas nem por isso se sentirá preso. Não é
livre, mas nem por isso deixará de admirar a possibilidade de flanar.
Se não tem condições de brincar com as árvores, brincará com
sua sombra.
Se não tem como brigar pela comida, valorizará o alpiste que
recebe em sua tigela quebrando minuciosamente cada grão.
Se não tem vento para expor sua plumagem, baterá as asas para
fazer vento em si.
Se não tem o sol na cara, levantará as unhas pelas barras das
grades por um punhado de luz.
O pássaro que voará mais alto sempre é o que – enquanto não
pode voar – canta, é o que – enquanto não pode subir – caminha, é o que –
enquanto não pode planar – afia o bico.
Não reclamará da falta de opção, usará as opções que tem.
Não pode voar, mas treina seu voo esticando a coleira até o
máximo. Até o máximo daquele dia.
Puxará a corrente ao limite. Somará pequenos céus com os
centímetros de sua corrente.
Tudo o que voará depois será resultado de tudo o que andou em
seus limites. Cinco passos repetidos à exaustão darão o condicionamento de
quilômetros. Não estará destreinado para as alturas, já que exercitou seu fôlego no
chão.
Não desistiu de avançar mesmo com a ausência de espaço. Não
se restringiu a uma aparência apagada. Não se encabulou pelo sofrimento.
Quando não havia chance de sair dali, aproveitou a solidão
para se conhecer.
Quando não havia com quem conversar, aproveitou o silêncio
para afinamentos.
Deveria ser triste pelas suas circunstâncias, porém é feliz
pelo temperamento.
Deveria ser melancólico pelo destino, porém é confiante no
acaso.
O pássaro que desaparecerá um dia no alto das nuvens, como se
fosse mais uma nuvem, foi o pássaro que jamais parou de tentar.
Só voará alto quem carregou suas penas.
Só voará alto aquele que criou seu lugar um pouco por vez,
aquele que formou sua virtude em segredo, aquele que não culpou a vida para se
manter parado.
Liberdade vem com o tempo, liberdade vem devagar, liberdade é
esforço. Não ser do tamanho de nossa prisão, mas ser do tamanho de nossa
vontade.