A mãe, em um impulso de coragem – ou de insanidade – se
ofereceu para receber a família em casa no Natal.
A mãe passou o dia espirrando porque
teve de resgatar seis caixas de decoração natalina que estavam soterradas em um
ano de poeira na prateleira de cima do guarda roupas.
A mãe teve de se segurar para não
acertar a mão na cara do infeliz que roubou a vaga dela no shopping.
A mãe ficou furiosa com a moça que
roubou a vez dela na fila da loja de brinquedos, que mais parecia a faixa de
Gaza.
A mãe teve que ser retirada pelo
segurança da loja de roupas, porque ela ameaçou a vendedora com um cabide.
A mãe teve que ser consolada pelo
verdureiro na feira quando a sacola dela estourou e os tomates saíram rolando
ladeira abaixo.
A mãe abraçou o verdureiro como se
fosse seu pai quando os tomates foram atropelados por um caminhão.
A mãe desejou que sua sogra fosse um
tomate quando ela chegou e começou a dar pitaco na ceia.
A mãe rezou por sua integridade
física quando seus sobrinhos chegaram.
A mãe, na verdade, rezou
pela integridade física deles.
A mãe começou a fazer seu
risoto com vinho branco muito concentradamente.
A mãe teve que pedir pra que o pai
fosse ao mercado comprar mais vinho, porque ela bebeu meia garrafa quando os
meninos quebraram o segundo vaso.
A mãe chorou feito criancinha quando,
na hora de se arrumar, acertou o olho direito com o pincel do rímel.
A mãe quase voou por cima da mesa
quando as crianças começaram a guerra de maionese.
A mãe, depois dessa odisseia, deitou
a cabeça no travesseiro, feliz por ver toda a família junta e se divertindo e
concluiu que aquele foi um Feliz Natal.