Às vezes a distância é a melhor coisa que
pode acontecer.
Períodos de recuo são essenciais. Ou simplesmente
acontecem, atropelando nossa vontade - mesmo assim continuam sendo
estarrecedoramente úteis. Eles nos forçam a enxergar a situação com mais frieza
e, por isso mesmo, de forma mais acertada e isenta de erros de julgamento que a
intensidade e a bile nos levam a cometer (o significado do ditado chinês “o
lugar mais escuro é sempre debaixo da lâmpada” tornou-se, de repente, tão claro
para mim como areia em dia de sol).
O grande barato de, vez por outra, nos distanciarmos do que nos importa é
sentir o que esse redimensionamento nos causa. E, seja ele qual for, a retomada
nunca é insípida: ou nos faz enxergar a placa de “rua sem saída” que teimávamos
em não ver ou devolve o brilho ao que o tempo havia enegrecido. Talvez por isso
alguns casais só se entendam depois de uma separação: a dor, a sensação de
ficar sem centro gravitacional, não ter mais ali ao lado quem se ama pode
provocar verdadeiros milagres na dinâmica de uma vida em comum (e na solo). Mas
não podemos contar com milagres, precisamos da razão. O problema é que nossa
suposta sapiência tende a subavaliar o que se tem ou (talvez seja pior)
exagerar na importância e, se quisermos ser felizes, é inútil proclamar
independência emocional ou tornar-se escravo das paixões. Qualquer extremismo
nos isola. Só compreendemos o valor do que nos rodeia e mora dentro de nós
quando mergulhamos na solidão.
Depois de sofrer feito o cão por encarar tudo na base do oito ou oitenta, fiz
um pacto comigo mesma: jamais levaria coisa alguma a ferro e fogo porque nada
importa tanto. Absolutamente nada é imprescindível. Nem ninguém. Esse não um
discurso de auto-suficiência, pelo contrário, é uma reflexão de alguém que
aprendeu na porrada (ou, melhor, no choro) que só relativizando, tornando a
existência e o coração mais leves é que se pode ser feliz e, então, ser feliz
com alguém. Pare de arrastar correntes, levar tudo tão a sério: a única coisa
que vai conseguir é uma úlcera. Cuide de quem ama, mas não faça disso o
objetivo da sua vida, por que ficará inevitavelmente frustrado quando não tiver
dele o que você acha que ele deveria devolver. Não existe prêmio para quem doa
amor. Por isso, distanciar-se deveria ser uma tarefa cotidiana: evitaria que
fôssemos sugados pelo redemoinho que sempre começa logo ali a nossos pés, mas estamos
ocupados demais para ver. Evitaria que exercêssemos de forma tão eficaz, e
perigosamente despercebida, nossos piores defeitos.
Quando algo começar a te enlouquecer, infernizar ou te fazer surtar, use a
técnica dos grandes admiradores de arte: recue diante da tela, mude de ângulo,
observe as cores, os traços e os detalhes que, na correria, sempre passaram
despercebidos. Então notará que ela é muito mais do que aquele ponto preto que
ficava, insistentemente, diante dos seus olhos.
Ser feliz, no final das contas, não é questão de sorte ou azar. É questão de
perspectiva.