"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



domingo, 14 de junho de 2015

se o mundo fosse rede social

Pensando sobre o título, se o mundo assim fosse, seria uma maravilha. Não precisaria revanche para as coisas boas. Não precisaria de promessa, reza braba ou novena. 

Se o mundo fosse rede social, ninguém jamais estaria desalinhado, desarrumado, estabanado, apressado. Haveria uma pausa para um oi alongado. Bom dia seria com inúmeras vogais “a”. 

Se o mundo fosse virtual, não haveria fotos de identidade com cara de urubu enfeitiçado. Ninguém iria esconder aquela pose horrível, exatamente com umas roupas no varal atrás que foi tirada no churrasco de meio quilo de carne.

Se o mundo fosse redes sociais a vantagem seria ter mais amigos, mesmo a gente nem sabendo o nome do infeliz e sequer ter dito uma reles boa noite, mas sim seríamos amigos e bem íntimos.

Se o mundo fosse rede social, a máxima era interagir, mostrando obrigatoriamente que a palavra de conforto, a mensagem de harmonia, a esperança, a fé e outros abençoados sinais de equilíbrio fariam parte do dia a dia. Ninguém mandaria o chefe pra puta que pariu. Imagina! Falar palavrão não nos caberia. 

Se o mundo fosse rede social, jamais pronunciaríamos “merdas” nas horas de raiva. Palavrões seria repertório de malandros, bocudos e indesejados. Nenhunzinho pra quebrar o jejum seria pronunciado por nossa boca santa.

Se o mundo fosse rede social, despertaríamos sentimentos fofos, ouviríamos palavras de leveza e seriamos obviamente seres queridos. Nunca cantaríamos músicas consideradas chulas e a maior estratégia popular seria utilizar repertório fashion, moderno, descolado. Atirar o pau no gato nem na canção e nem no momento de raiva do bichinho, que, aliás, seria fruto de nossa ferrenha defesa. Estaríamos seriamente engajados nas campanhas em defesa da vida, dos animais, da natureza, da ética na política, do vestido menos colado, do rosário da Maria, da água benta do padre. Nossa imagem de gente limpa, linda, correta, espiritual, beiraria a do Dalai Lama (mesmo com tanta lama escondida embaixo do tapete). 

E por falar em imagem, se o mundo fosse virtual, nunca acordaríamos sem batom, vestido impecável, cílios enormes, unhas feitas a pincel.
Unhas encardidas, vestido amarrotado, rosto cheio de sulcos pelo tempo maldito, corpo ressecado, baixa estatura, olheiras profundas seriam apenas imagens das fotos de mil e lá vai pedrada, que a gente jamais teria no baú. 
Jamais sairíamos do sério. Reclamações era caso de polícia. Mau humor, apenas lembrança da velha história da madrasta má.
Amaríamos incondicionalmente nosso irmão chato, nossa vizinha rabugenta, nossa amiga da escola, aquela meio fofoqueira. Nunca teríamos preconceito nem pelo mendigo sujinho que fica todos os dias no sinal clamando por centavinhos, tampouco pela criança de nariz escorrendo, com os olhos amarelado e a barriga bem grande por causa de vermes. Abraçaríamos todas as pessoas. Beijaríamos, aliás, abraço e beijo seriam lemas obrigatórios.

Se o mundo fosse virtual, nunca comeríamos pão com ovo, para não arrotar azedo. E por falar nisso, tudo que viria de dentro do nosso corpo, ora com algumas celulites, seriam palavras articuladas pela nossa caixa fonética. E palavras lindas. 

Se o mundo fosse virtual, ninguém assumiria que um dia peidou na hora errada. Verbo peidar se existisse, seria com cheiro de Calvin Klein. Vomitar, apenas uma coisa nojenta, digna dos desavisados e que comem demais. Coisa de quem come “quentinha fria”. Desculpa a contradição, mas aqui é pra contrariar mesmo. 

Se o mundo fosse virtual, estaríamos sempre de bem com a vida ordinária, de bem com a sogra, com a empregada, com o gerente do banco que voltou nosso cheque por falta de provas que iríamos pagar mesmo com o saldo negativo. 

Se o mundo fosse virtual, segunda-feira seria dia de recomeço. Força, foco e fé, o nosso clichê e nunca, nunquinha mesmo: quero é que tudo se dane porque minha fé não mede nenhum centímetro. Cada problema uma benção. Cada deslize um esquecimento, embora o texto esteja ficando poético demais; mas assim seria o mundo. Poesia de cabo a rabo e nada de realidade nua, crua, profunda, fedorenta (só as vezes, para aderir a linguagem da rede).

Se o mundo fosse belo assim, nunca teríamos cabelo cheio de óleo, suor nem sempre com odor tolerável, pés cansados e cheios de calos feios, remela nos olhos ao acordar. No quesito acordar, vai um lembrete: acordaríamos com café na cama, daqueles dignos de matar a fome de quem nunca comeu brioche. Abriríamos a janela para o verde que por acaso nasceu no nosso jardim imaginário e soltaríamos uma mensagem de altíssimo astral para todos os ouvidos atentos do vento que passava devagar. 

O mundo se fosse virtual, seria lilás, peraí, cor de rosa e choque que é pra mostrar que somos puro glamour. 
O único ato insano das pessoas ruins seria apenas mandar solicitações de jogos e convites pra gente ir a locais que nunca estaríamos. 

E se o mundo fosse virtual, diríamos boa noite em alto e cantante som. 
Se o mundo fosse virtual iríamos garantir a integridade de sujeitos sinceros, bondosos e quase santos. 

Só que não!