Pensando sobre o título, se o mundo assim
fosse, seria uma maravilha. Não precisaria revanche para as coisas boas. Não
precisaria de promessa, reza braba ou novena.
Se o mundo fosse rede social, ninguém jamais
estaria desalinhado, desarrumado, estabanado, apressado. Haveria uma pausa para
um oi alongado. Bom dia seria com inúmeras vogais “a”.
Se o mundo fosse virtual, não haveria fotos
de identidade com cara de urubu enfeitiçado. Ninguém iria esconder aquela pose
horrível, exatamente com umas roupas no varal atrás que foi tirada no churrasco
de meio quilo de carne.
Se o mundo fosse redes sociais a vantagem
seria ter mais amigos, mesmo a gente nem sabendo o nome do infeliz e sequer ter
dito uma reles boa noite, mas sim seríamos amigos e bem íntimos.
Se o mundo fosse rede social, a máxima era
interagir, mostrando obrigatoriamente que a palavra de conforto, a mensagem de
harmonia, a esperança, a fé e outros abençoados sinais de equilíbrio fariam
parte do dia a dia. Ninguém mandaria o chefe pra puta que pariu. Imagina! Falar
palavrão não nos caberia.
Se o mundo fosse rede social, jamais
pronunciaríamos “merdas” nas horas de raiva. Palavrões seria repertório de
malandros, bocudos e indesejados. Nenhunzinho pra quebrar o jejum seria
pronunciado por nossa boca santa.
Se o mundo fosse rede social, despertaríamos
sentimentos fofos, ouviríamos palavras de leveza e seriamos obviamente seres
queridos. Nunca cantaríamos músicas consideradas chulas e a maior estratégia
popular seria utilizar repertório fashion, moderno, descolado. Atirar o pau no
gato nem na canção e nem no momento de raiva do bichinho, que, aliás, seria
fruto de nossa ferrenha defesa. Estaríamos seriamente engajados nas campanhas
em defesa da vida, dos animais, da natureza, da ética na política, do vestido
menos colado, do rosário da Maria, da água benta do padre. Nossa imagem de
gente limpa, linda, correta, espiritual, beiraria a do Dalai Lama (mesmo com
tanta lama escondida embaixo do tapete).
E por falar em imagem, se o mundo fosse
virtual, nunca acordaríamos sem batom, vestido impecável, cílios enormes, unhas
feitas a pincel.
Unhas encardidas, vestido amarrotado, rosto
cheio de sulcos pelo tempo maldito, corpo ressecado, baixa estatura, olheiras
profundas seriam apenas imagens das fotos de mil e lá vai pedrada, que a gente
jamais teria no baú.
Jamais sairíamos do sério. Reclamações era
caso de polícia. Mau humor, apenas lembrança da velha história da madrasta má.
Amaríamos incondicionalmente nosso irmão
chato, nossa vizinha rabugenta, nossa amiga da escola, aquela meio fofoqueira.
Nunca teríamos preconceito nem pelo mendigo sujinho que fica todos os dias no
sinal clamando por centavinhos, tampouco pela criança de nariz escorrendo, com
os olhos amarelado e a barriga bem grande por causa de vermes. Abraçaríamos
todas as pessoas. Beijaríamos, aliás, abraço e beijo seriam lemas obrigatórios.
Se o mundo fosse virtual, nunca comeríamos
pão com ovo, para não arrotar azedo. E por falar nisso, tudo que viria de
dentro do nosso corpo, ora com algumas celulites, seriam palavras articuladas
pela nossa caixa fonética. E palavras lindas.
Se o mundo fosse virtual, ninguém assumiria
que um dia peidou na hora errada. Verbo peidar se existisse, seria com cheiro
de Calvin Klein. Vomitar, apenas uma coisa nojenta, digna dos desavisados e que
comem demais. Coisa de quem come “quentinha fria”. Desculpa a contradição, mas
aqui é pra contrariar mesmo.
Se o mundo fosse virtual, estaríamos sempre
de bem com a vida ordinária, de bem com a sogra, com a empregada, com o gerente
do banco que voltou nosso cheque por falta de provas que iríamos pagar mesmo
com o saldo negativo.
Se o mundo fosse virtual, segunda-feira seria
dia de recomeço. Força, foco e fé, o nosso clichê e nunca, nunquinha mesmo:
quero é que tudo se dane porque minha fé não mede nenhum centímetro. Cada
problema uma benção. Cada deslize um esquecimento, embora o texto esteja
ficando poético demais; mas assim seria o mundo. Poesia de cabo a rabo e nada
de realidade nua, crua, profunda, fedorenta (só as vezes, para aderir a
linguagem da rede).
Se o mundo fosse belo assim, nunca teríamos
cabelo cheio de óleo, suor nem sempre com odor tolerável, pés cansados e cheios
de calos feios, remela nos olhos ao acordar. No quesito acordar, vai um
lembrete: acordaríamos com café na cama, daqueles dignos de matar a fome de
quem nunca comeu brioche. Abriríamos a janela para o verde que por acaso nasceu
no nosso jardim imaginário e soltaríamos uma mensagem de altíssimo astral para
todos os ouvidos atentos do vento que passava devagar.
O mundo se fosse virtual, seria lilás, peraí,
cor de rosa e choque que é pra mostrar que somos puro glamour.
O único ato insano das pessoas ruins seria
apenas mandar solicitações de jogos e convites pra gente ir a locais que nunca
estaríamos.
E se o mundo fosse virtual, diríamos boa
noite em alto e cantante som.
Se o mundo fosse virtual iríamos garantir a
integridade de sujeitos sinceros, bondosos e quase santos.
Só que não!