Recorro à minha profissão de tradutora, que exerci
intensamente por longo tempo, para apresentar aqui versos da poetisa americana
Edna St. Vincent Millay, falecida, sobre a morte:
“Não me resigno quando depositam corações amorosos na terra
dura. / É assim, assim será para sempre: / entram na escuridão os sábios e os
encantadores. Coroados / de lírios e louros, lá se vão: mas eu não me conformo.
/ Na treva da tumba lá se vão, com seu olhar sincero, o riso, o amor; / vão
docemente os belos, os ternos, os bondosos; / vão-se tranquilamente os
inteligentes, os engraçados, os bravos. / Eu sei. Mas não aprovo. E não me
conformo”.
Conformados ou não, a morte é algo que precisaríamos aceitar,
com mais ou menos dor, mais ou menos resistência, mais ou menos inconformidade.
E esse processo, mais ou menos demorado, mais ou menos cruel, depende da
estrutura emocional e das crenças de cada um.
(...)
A vida inevitavelmente flui: nós somos isso. Ela é um ciclo:
ciclos se abrem e se fecham, isso é viver. O fim de cada ciclo nos ajuda a
pensar nas vezes em que fomos egoístas, grosseiros, fúteis, infiéis, ou quando
não estivemos nem aí. Mas também lembramos os momentos em que fizemos o melhor
que podíamos.
Essas águas do fluir da vida não se interrompem quando
dormimos ou comemos ou jogamos no iPad ou nos entediamos na fila do banco ou
comemos o hambúrguer ou choramos sozinhos no escuro de noite. Tudo isso é
natural: mas a nós, sobretudo em mortes brutais ou trágicas, a perda não parece
nada natural.
O ciclo vida e morte é um duro aprendizado. Nós, maus alunos.
Não escrevo sobre o tema pela morte de um ou outro, em
acidentes, por doença dolorosa, ou mesmo dormindo, morte abençoada. Morrem mais
pessoas aqui de morte violenta do que em guerras atuais. A banalização da
morte, portanto a desvalorização da vida, é espantosa. Escrevo porque ela, a
Senhora Morte, é cotidiana e estranha, ao menos para a maioria de nós.
Há alguns anos, menininha ainda, uma de minhas netas me
perguntou com a perturbadora simplicidade das crianças: “Por que eu não tenho
vovô?”. Respondi, como costumo, da maneira mais natural possível, que o vovô
tinha morrido antes de ela nascer, que estava em outro lugar, e, acreditava eu,
ainda sabendo da gente, sempre cuidando de nós – também dela.
Continuei dizendo que a vida das pessoas é como a das plantas
e dos animais. Nascem, crescem, umas morrem muito cedo, outras ficam bem
velhinhas, umas morrem por um acidente, ou doença, ou simplesmente se acabam
como uma vela se apaga.
Falar é fácil, eu dizia a mim mesma enquanto comentava isso
com a criança. O drama da vida não se encerra com o baque da morte, mas começa,
nesse instante, outra grande indagação. Se a primeira se referia a “o que é a
vida, o que estou fazendo aqui, o que significa tudo isso, os encontros,
desencontros, realizações, frustrações, a luta constante”, o que indagamos
diante da morte é: “E agora, o que significa isso, a morte, o fim, a perda, o
ignorado? E quando chegar a minha vez?”.
Então, em geral, temos mais ou menos medo, segundo, ainda uma
vez, a nossa crença.
Recordo a frase atribuída a Sócrates na hora em que bebia
cicuta, condenado pelos cidadãos de Atenas a se matar: “Se a morte for um sono
sem sonhos, será bom; se for um reencontro com pessoas que amei e se foram, será
bom também. Então, não se desesperem tanto”.
Precisamos de tempo para integrar a morte na vida. Talvez os
mortos vivam enquanto lembrarmos suas ações, seu rosto, a voz, o gesto, a
risada, a melancolia, os belos momentos e os difíceis. Enquanto eles se repetirem
no milagre genético, em filhos, e netos, ou se perpetuarem em fotografias e
filmes. Enquanto alguém os retiver no pensamento, os mortos estarão de certa
forma vivos?
Porque morrer é natural, deveria ser simples: mas, para quase
todos nós, é um grande e grave enigma.