"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



terça-feira, 8 de outubro de 2013


Eu estava no lugar errado, na hora errada.
Não, não fui testemunha de um crime ou de uma situação que colocasse a minha vida em risco. Mas foi muito constrangedor, até mesmo dramático, o que vivenciei.
Convidado por um casal de amigos para jantar em sua casa, a horas tantas percebo que os dois começam a se tratar de forma um pouco ríspida.
O desejo de serem educados ou um resquício de pudor, no entanto, acenava para um final mais discreto. Mas foi um verdadeiro furacão.
O descontrole total aconteceu logo em seguida. Exaltados, não conseguiram refrear a raiva que estavam sentindo um pelo outro.
E eu lá, impassível, tendo que assistir a tudo. Nem levantei o dedo, temendo pela minha integridade física.

Não vou me tirar para santo. Também já briguei muito nesta minha ainda não tão longa vida.
Mas de uma coisa tenho certeza: sempre fui discreto. Nunca deixei que ninguém participasse passivamente de uma situação de conflito afetivo.
Acho vergonhoso. Dividir problemas domésticos com quem não tem nada a ver com isso é passar atestado de imaturidade.
Só que, convenhamos, tendo um mínimo de sanidade, ninguém ousaria dar palpites nessa hora. Limitei-me a ficar quieto, deixando que a tempestade passasse.

Depois, na quietude do meu quarto, fiquei pensando no que havia acabado de assistir.
Em primeiro lugar, o motivo para a briga foi tão insignificante que fiquei aparvalhado, pensando no que aconteceria no dia em que eles encontrassem uma razão verdadeira para se engalfinharem.
Pronto-socorro para os dois, com certeza.
E aí me lembrei das sempre sábias lições de um certo psiquiatra: o problema com os casais não é tanto a quantidade de vezes que eles brigam, mas o fato de eles brigarem sempre pelas mesmas minúsculas coisinhas. Por nada, em síntese.
Claro, cada um tem a sua dinâmica, geralmente produto de uma longa intimidade e que é quase impossível entender estando do lado de fora. Mas não dá para negar que geralmente todos se comprazem em fazer muito estardalhaço.

E o desgaste que isso dá! Desgaste físico, mesmo.
Ao conversar sobre o incidente, no dia seguinte, meu amigo parecia estar voltando de uma guerra. Pálido, com a pele emaciada, emanava cansaço em cada palavras que ia escandindo. E para quem quisesse fazer uma breve radiografia de seu corpo, as costas arqueadas poderiam traduzir à perfeição o estado em que se encontrava.
Perguntei se acreditava que a discussão que tiveram havia resolvido aquele ponto de vista divergente entre os dois.
Ele me mirou com um olhar de cão abandonado e disse: “Desconfio que não. Hoje de manhã tivemos outra briga e o motivo que a desencadeou foi o mesmo.” Ou seja...

Por que, então, não conseguimos ser criativos nem na hora de colocar o dedo em riste na cara do outro?
Para que tanto sofrimento, se as situações tendem a se repetir exatamente da mesma maneira?
Quando pouco sobra, fica a enganosa sensação de que o atrito torna a relação viva, dinâmica. Mais ou menos como soprar as brasas de um fogo já extinto. A gente tenta, mas sabe de antemão o resultado.

Entre tapas e beijos.
Parece que é assim que homens e mulheres gastam muitas e muitas horas tentando provar que se querem bem. Não há reconciliação que justifique tanto estresse.
Amor bom é visível a olho nu e não costuma deixar hematomas.
Palavras provocam hematomas.
É quase sem perceber que a gente mata aquilo que mais ama.

(Gilmar Marcílio)