"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quarta-feira, 22 de junho de 2011

Feijoada à moda de Vinícius


Amiga Helena Sangirardi
Conforme um dia eu prometi
onde, confesso que esqueci
e embora - perdoe - tão tarde

(Melhor do que nunca!) este poeta
segundo manda a boa ética
envia-lhe a receita (poética)
de sua feijoada completa

Em atenção ao adiantado
da hora em que abrimos o olho
o feijão deve, já catado
nos esperar, feliz, de molho

E a cozinheira, por respeito
à nossa mestria na arte
já deve ter tacado peito
e preparado e posto à parte

Os elementos componentes
de um saboroso refogado
Tais: cebolas, tomates, dentes
de alho - e o que mais for azado

Tudo picado desde cedo
de feição a sempre evitar
qualquer contato mais... vulgar
às nossas nobres mãos de aedo

Enquanto nós, a dar uns toques
no que não nos seja a contento
vigiaremos o cozimento
tomando o nosso uísque on the rocks

Uma vez cozido o feijão
(umas quatro horas, fogo médio)
Nós, bocejando o nosso tédio
nos chegaremos ao fogão

E em elegante curvatura:
um pé adiante e o braço às costas
provaremos a rica negrura
por onde devem boiar postas

De carne-seca suculenta
gordos paios, nédio toucinho
(nunca orelhas de bacorinho
que a tornam em excesso opulenta!)

E - atenção! - segredo modesto
mas meu, no tocante à feijoada:
Uma língua fresca pelada
posta a cozer com todo o resto

Feito o quê, retire-se caroço
bastante, que bem amassado
junta-se ao belo refogado
de modo a ter-se um molho grosso

Que vai de volta ao caldeirão
no qual o poeta, em bom agouro
deve esparzir folhas de louro
com um gesto clássico e pagão

Inútil dizer que, entrementes
em chama à parte desta liça
devem fritar, todas contentes
lindas rodelas de lingüiça

Enquanto ao lado, em fogo brando
desmilingüindo-se de gozo
deve também se estar fritando
o torresminho delicioso

Em cuja gordura, de resto
(melhor gordura nunca houve!)
deve depois frigir a couve
picada, em fogo alegre e presto

Uma farofa? - tem seus dias...
porém que seja na manteiga!
A laranja gelada, em fatias
(Seleta ou da Bahia) - e chega

Só na última cozedura
para levar à mesa, deixa-se
cair um pouco da gordura
da lingüiça na iguaria - e mexa-se

Que prazer mais um corpo pede
após comido um tal feijão?
- Evidentemente uma rede
e um gato para passar a mão...

Dever cumprido. Nunca é vã
a palavra de um poeta... - jamais!
Abraça-a, em Brillat-Savarin
o seu Vinicius de Moraes

Junto à esses ingredientes, adicione alegria, alto astral,
muito apetite e vamos comer-morar o aniversário "dele".
Depois, é só tirar o sapato pra pesar (a consciência).