Porque as distâncias eram grandes, escreviam-se cartas.
Porque era preciso esperar as cartas, havia tempo.
Porque havia tempo, falava-se de amor.
Porque falava-se de amor, escreviam-se mais cartas.
E porque era preciso fazer as cartas chegarem mais rápido,
construíam-se estradas.
construíam-se estradas.
Estradas que nos levaram mais rápido ao futuro:
encurtaram-se as distâncias.
E porque encurtaram-se as distâncias, aumentou o trabalho.
E porque o trabalho aumentou, escasseou o tempo.
E pela escassez de tempo, cessaram as cartas.
E pela falta das cartas, recesso para o amor.
Porque o amor entrou em recesso, o avanço.
E porque veio o avanço, criou-se a tal rede.
E porque a rede se criou, encurtaram-se as distâncias.
Até mesmo entre os amores.
Até mesmo entre os tempos.
E no mundo contido dentro da rede, nasceram de novo as cartas.
Agora instantâneas.
Que, como aviõezinhos de papel, eram lançadas incessantemente de uma ponta a outra do mapa.
Palavras, dores, saudades e sons percorriam num susto longas distâncias, para chegar aos ouvidos da outra ponta do mapa.
O mundo virou teia de cartas.
Um emaranhado de dores e amores e gentes se vendo e ouvindo e dizendo em todas as línguas.
Um mundo abraçando o mundo carente de cartas, caminhos, estradas e de andar a pé pra relembrar.
Virtuais, as cartas tornaram amores reais.
E a cada nova carta, um mundo de amor.
A teia.
E a cada novo mundo, mais cartas.
E já não era possível desfazer os nós.
E as pessoas deram-se as mãos, como antes não acontecia.
E eram semelhantes as mãos que se davam,
sem que a distância fosse empecilho.
sem que a distância fosse empecilho.
E era de mãos também a grande teia.
Mas, como o virtual brilhasse, o real perdeu sua força.
Não mais se olharam as pessoas.
O amor em recesso mais uma vez.
E como o recesso faz buracos, mais gente da ponta do mapa
procurou gente da outra ponta.
procurou gente da outra ponta.
E do meio.
E de um pedacinho ao sul ou ao norte.
E as latitudes as mais diversas passaram a se olhar,
como não mais os olhos se olhavam.
como não mais os olhos se olhavam.
E como as palavras de longe chegavam ao pé do ouvido, falou-se de perto.
E porque de longe acendiam-se almas, encurtaram-se as distâncias.
Mas, um dia, de tanto viajarem as cartas, encurtando distâncias e mais distâncias, alguém olhou para o lado e descobriu a verdade.
O longe estava perto.
O perto estava longe.
E assim a escassez de tempo nos aproximou da gente.
A escassez do tempo nos disse verdades com sua voz rouca.
E nos perguntamos se tudo isso fazia sentido.
E choramos.
E escrevemos novas cartas.
E nos demos as mãos de verdade.
E nos olhamos no olho.
E redescobrimos o tempo.
E amamos.
Não mais a escassez.
Não mais o virtual.
Não mais o longe.
E permanecem as cartas que vão e voltam.
Mas o amor não entra mais em recesso.