"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



segunda-feira, 10 de maio de 2010


''Era uma vez um menino que amava demais.
Amava tanto, mas tanto, que o amor nem cabia dentro dele.
Saía pelos olhos, brilhando, pela boca, cantando, pelas pernas, tremendo, pelas mãos, suando.
(Só pelo umbigo é que não saía: o nó ali é tão bem dado que nunca houve um só que tenha soltado).

O menino sabia que o único jeito de resolver a questão era dando o amor à menina que amava.
Mas como saber o que ela achava dele?
Na classe, tinha mais quinze meninos.
Na escola, trezentos.
No mundo, vai saber, uns dois bilhões?
Como é que ia acontecer de a menina
se apaixonar justo por ele, que tinha se apaixonado por ela?

O menino tentou trancar o amor numa mala, mas não tinha como:
nem sentando em cima o zíper fechava.
Resolveu então congelar, mas era tão quente, o amor, que fundiu o freezer,
queimou a tomada, derrubou a energia do prédio, do quarteirão
e logo o menino saiu andando pela cidade escura - só ele
brilhando nas ruas,
deixando pegadas de Star Fix por onde pisava.

O que é que eu faço? - perguntou ao prefeito, ao amigo, ao doutor
e a um pessoalzinho que passava a vida sentado em frente
ao posto de gasolina.
Fala pra ela! - diziam todos, sem pensar duas vezes,
mas ele não tinha coragem.
E se ela não o amasse?
E se não aceitasse todo o amor que ele tinha pra dar?
Ele ia murchar que nem uva passa, explodir como bexiga e chorar
até 31 de dezembro de 2978.

Tomou então a decisão: iria atirar seu amor ao mar.
Um polvo que se agarrasse a ele - se tem oito braços para os abraços,
por que não quatro corações, para as suas paixões?
Ele é que não dava conta, era só um menino,
com apenas duas mãos e o maior sentimento do mundo.

Foi até a beira da praia e, sem pensar duas vezes, jogou.
O que o menino não sabia era que seu amor era maior do que o mar.
E o amor do menino fez o oceano evaporar.
Ele chorou, chorou e chorou, pela morte do mar e de seu grande amor.

Até que sentiu uma gota na ponta do nariz.
Depois outra, na orelha e mais outra, no dedão do pé.
Era o mar, misturado ao amor do menino, que chovia do Saara à Belém, de Meca à Jerusalém.
Choveu tanto que acabou molhando a menina que o menino amava.
E assim que a água tocou sua língua, ela saiu correndo para a praia,
pois já fazia meses que sentia o mesmo gosto,
o gosto de um amor tão grande,
mas tão grande,
que já nem cabia dentro dela.''
 
                                                                              (Antônio Prata)