Por dentro, sou casca de ferida, quase cicatrizada, uma
lágrima fingindo ser cisco no olho, uma sessão de terapia onde foi dito apenas
a metade, um medo não publicado.
Por fora, uma leveza de palavras, embora por dentro, um
furacão em erupção, quase sem margens com folga, para não entornar. Por fora,
uma coisa que desejo fortemente e consigo deixar fluir de um jeito suave, ah,
mas por dentro, vou submergindo sem dó ou piedade, sem tempo para traduzir os
desejos incontidos, subversivos e doloridos.
Por fora o resgate de ingenuidade que se repete todas as
manhãs, para acreditar que a vida pode ser melhor. Por dentro, tralhas quase
sem espaço. Anseios e planos encaixotados sem destinatários.
Por fora, coração. Por dentro, razão. Por fora, alegria. Por
dentro, nostalgia.
Por fora, a certeza. Por dentro, o acaso.
Por fora o argumento como ladainha diária. Por dentro a
pergunta que não encontra a resposta e convive carrancuda com a dúvida
Por fora, falo de liberdade. Por dentro, procuro um caminho
que contrarie as incertezas. Por fora uma beldade. Uma entusiasta do amor
fácil, rápido e indolor, uma saudade sem devolução que virou poesia.
Por fora, esperança. Por dentro, zoeira que a vida faz e não
trata de desfazer.
Por fora, sonoridade, música. E por dentro também.
E como diz o provérbio: Por fora bela viola. Por dentro, pão
bolorento.
Um dia, ou aprendo uma canção e canto por dentro e por fora,
ou aprendo a fazer pão corretamente.
Enquanto isso, segue a vida, que me segue.