Breu, meu
eu, Deus meu
Alguém
chamou minha mãe e não pediu a mim
Alguém de
algum Deus, algum querubim
Retirou-a
de cena sem a minha permissão
Alguém
arrancou-me o umbigo sem falar comigo
Algum, de
alguma misteriosa verdade, puxou-lhe o fio da vida,
A echarpe,
a pipa, a idade.
Alguém
anjo a levou pra compor outro coral
Alguém roubou
de mim a sua voz e a sua música que era o meu melhor vento
Adeus
moqueca, adeus corvento,
Alguém
levou meu mundo, meu invento, minha bruxa boa, meu unguento
Eu tô
ainda de vestido azul de bolinha, calcinha de babado, sentada na calçada,
sozinha
Minha mãe
não está na cozinha, no piano, na aula, na vizinha
Alguém
badalou meia-noite e a Cinderela virou açoite, pernoite
É breu,
Deus...
um buraco
fundo, um vão sem chão, o infortúnio
Eu quero
ao menos que, ao morrer o criador, não se vá também a criatura.
Está
escuro, quero luz, dá-me a luz...
Alguém
desatarraxou daqui minha lâmpada maravilhosa
Agora não
posso mais ter febre;
agora
ninguém mais reza e não há compressa;
agora eu
estou com pressa.
sexta-feira, 14 de abril de 2023
Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e
se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai
de seu pai.
É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma
névoa. Lento, devagar, impreciso.
É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem
como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível,
enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.
É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só
suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela - tudo é
corredor, tudo é longe.
É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao
tirar sua própria roupa e não lembrará de seus remédios.
E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que
somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa
vida para morrer em paz.
Todo filho é pai da morte de seu pai.
Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última
gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos
foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da
escolta.
E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e
colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos
pais.
Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.
Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do
chuveiro.
A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar
um cotovelo das águas.
Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal
para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum
momento, inventaremos nossos braços nas paredes.
A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas
paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.
Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer
é subir escada mesmo sem degraus.
Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e
desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores,
engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da
gente?
Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol,
nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.
E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que
aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.
Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos.
No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca,
buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:
— Deixa que eu ajudo.
Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.
Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.
Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno,
enrugado, frágil, tremendo.
Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua
infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo
interminável.
Embalou o pai de um lado para o outro.
Aninhou o pai.
Acalmou o pai.
E apenas dizia, sussurrado:
— Estou aqui, estou aqui, pai!
O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali.
quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
só vem!
E aqui estamos nós, às
vésperas da chegada de mais um ano, depois de tudo que vivemos. Nós, os
sobreviventes, os escolhidos para continuar a caminhada, aqui estamos com a
difícil, mas não impossível, missão de dar continuidade ao ciclo da vida.
E ainda que as
estatísticas apontem um caminho e a moçada “sem medo de ser feliz” nos aponte
outro, estamos todos receosos, escaldados como gatos e cheios de dúvidas.
O que pedir para o
próximo ano? O que esperar? O que prometer? Em quem confiar? Onde ancorar nossas
angústias ainda latentes?
Ah como eu gostaria de
ter respostas para todas essas perguntas! Como eu gostaria de mais garantias
para planejar meu amanhã! Eu não as tenho! Hoje sei que nunca as tive e nunca
terei!
Mas nem por isso
desanimo. Embora eu saiba o meu real tamanho nessa imensidão toda, sei que
posso dar os meus passos. Hoje espero mais de mim do que de qualquer outra
pessoa. E ainda que juntos não cheguemos mais longe, eu sei que juntos temos
mais chances.
Ainda sonho com uma
consciência coletiva, onde cada um reconheça o outro como alguém tão sagrado
quanto si mesmo e que juntos, criemos espaços e condições para todos nós
vivermos em harmonia.
Neste exato momento
confesso que não tem relevância se vou passar o réveillon de branco, de amarelo,
de estampado ou do que seja. Nem tampouco se terá champanhe, ondas do mar ou
coisas do tipo. Depois de tudo que vivemos, espero que 2022 chegue sereno e não
arraste a humanidade com ele.
Só vem 2022! O resto a
gente constrói junto!
bye, 2021!
LUTO foi a palavra e o
sentimento do ano.
A despedida foi o meu
marco.
Eu morri um pouco...
❤
#plagiando Fabrício Carpinejar
“Às vezes é preciso recolher-se. O coração não
quer obedecer, mas alguma vez aquieta; a ansiedade tem pés ligeiros, mas alguma
vez resolve sentar-se à beira dessas águas.
Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir. É um
começo de sabedoria, e dói.
Dói controlar o pensamento, dói abafar o
sentimento, além de ser doloroso parece pobre, triste e sem sentido.
Amar era tão infinitamente melhor; curtir quem
hoje se ausenta era tão imensamente mais rico.
Não queremos escutar essa lição da vida,
amadurecer parece algo sombrio, definitivo e assustador. Mas às vezes
aquietar-se e esperar que o amor do outro nos descubra nesta praia isolada é só
o que nos resta.
Entramos no casulo fabricado com tanta
dificuldade, e ficamos quase sem sonhar.
Quem nos vê nos julga alheados, quem já não
nos escuta pensa que emudecemos para sempre, e a gente mesmo às vezes desconfia
de que nunca mais será capaz de nada claro, alegre, feliz. Mas quem nos amou,
se talvez nos amar ainda há de saber que se nossa essência é ambiguidade e
mutação, este silêncio é tanto uma máscara quanto foram, quem sabe, um dia os
seus acenos.”
O “nuvensdealgodão” estreou no dia 23 de
março de 2010 e, no dia 24, esta foi a primeira publicação que fiz de um texto da Lya
Luft.
Desde então, praticamente todas as semanas
tinha um texto dela no blog.
Eu gosto muito do que ela escrevia. Vou sentir falta.
Segundo Martha Medeiros, outra campeã de postagens
do blog, quando André, filho da Lya faleceu, Martha foi até ela.
Ao lado do caixão, Lya a olhou e disse,
daquele jeito sem meias palavras: “Martha, a morte é uma merda”.
É verdade, Lya. A morte é mesmo uma merda!
RIP ❤
sábado, 25 de dezembro de 2021
♪ Mesmo que a gente não acredite mais
Tem sempre um sonho
olhando pra você
Decerto aquele que ficou
pra trás ♩
sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
depois de tudo que vivemos
E aí vem eles! Confraternização,
Natal, ano novo… Dezembro é um mês de 31 sextas-feiras. Como dar conta de tanto
encontro, tanta confraternização?
Vou? Não vou? Ponho
máscara? Tiro a máscara? Abraço? Não abraço?
Que estamos ávidos pelos
encontros, isso é fato! Que a COVID ainda não acabou, é outro fato! E no meio
de tudo isso estamos nós tentando dar conta de tudo!
Dezembro nunca foi
tranquilo, mesmo para quem não é Cristão. Mas esse parece que ele está mais
tumultuado ainda.
O fato é que estamos
todos mudados, estamos todos tocados pelos últimos 2 anos que vivemos. Muitos
vão enfrentar um fim de ano difícil, um vazio na mesa, uma lágrima de saudade.
Muitos vão agradecer por estarem vivos, por terem sobrevivido à tormenta. E
muitos vão aproveitar o momento para fazer novos propósitos e para pedirem um
ano melhor.
Quem é você depois de
tudo que passamos nos últimos 2 anos? Que lições ficaram? Que saudades você
carrega no peito? Em quem você se transformou depois de tudo que você
vivenciou?
Dificilmente vamos
encontrar alguém que não tenha aprendido nada nesses 2 anos. Em cada pessoa,
uma lição diferente, uma saudade singular e um jeito único de enfrentar a dor.
Estamos todos precisando
de um recomeço. Nunca foi tão necessário virar a página como agora. Limpar as
gavetas que não nos pertencem mais, doar, distribuir, mudar os móveis de lugar,
refazer os laços e ressignificar nossos sentimentos.
É chegada a hora de
recomeçarmos. É hora de colocarmos a história no lugar sagrado do coração,
dentro de sete chaves e seguirmos em frente. É hora de limpar a casa, limpar o
corpo, limpar a mente, a alma e deixar um espaço em nós para o novo que vem aí.
É hora de honrarmos a
memória de quem amamos e de prosseguirmos escrevendo nossas histórias. É hora
de abraçarmos quem ficou e nos fortalecermos desses abraços.
Nunca o verdadeiro
sentido do Natal se fez tão necessário como agora. Não importa a sua crença ou
a sua descrença. Que o encerramento desse ano, signifique para cada um de nós,
uma fresta de esperança por dias verdadeiramente melhores para toda humanidade.
Querido Papai Noel,
estamos na véspera de mais um Natal. Tem muita gente que lhe espera
ansiosamente. A sua chegada é bonita, sua figura é simpática, seus presentes
trazem alegria. Você tornou-se um símbolo desse tempo.
Como muitos, também
gostaria de fazer-lhe um pedido: Papai Noel, antes de entregar os presentes, de
distribuir docinhos e brinquedos, toma pela mão cada criança, cada jovem,
também os adultos e os velhinhos, e leva-os todos diante do presépio.
Nessa noite linda, conte
para eles o grande presente que a humanidade recebeu no primeiro Natal.
Ajoelhe-se, Papai Noel, diante da imagem do Menino Deus e ensine aqueles que
lhe recebem a adorar a criancinha da Gruta de Belém: ela é o próprio Deus que
se fez humanidade.
Se tem alguém que merece
receber presentes neste dia é Ele, o menino Jesus. Conte isso para as crianças.
Convide as pessoas a falarem com esse Jesus que um dia foi menino. Comece
agradecendo por ele ter vindo, por ele se fazer gente como a gente, pela
simplicidade dele. Depois, diga que você lhe entrega seu coração, sua vida, as
pessoas que ama. Reverencie também a mãezinha dEle, Maria, e São José. Agradeça
aos pastores e magos do Oriente por terem vindo ver o Menino e o adorar. Cante
uma canção, como fizeram os anjos. Pode ser “Noite feliz”, é linda! Mas também,
Papai Noel, pode ficar em silêncio, contemplando o santo presépio. É uma lição
que ali está retratada, é a imagem do céu na terra, tendo ao centro o Salvador
da humanidade. O silêncio fará bem.
Depois, você segue como
sempre, com os presentes e tudo mais.
Desculpe a pretensão, mas
eu precisava escrever-lhe isso. Talvez você não tenha se dado conta, mas muita
gente trocou o Natal de Jesus pelo Natal do Papai Noel. Não está correto! Se
você apenas fizer isso, ajoelhar-se com todos diante do Menino Deus, então tudo
estará certo novamente. O Natal é Jesus! Ajude-nos, Papai Noel, a não confundir
as coisas.
Saiba que você é sempre
bem-vindo.
Feliz Natal!
Nos encontramos diante da manjedoura, onde estará reclinado o Salvador da humanidade, o Menino Jesus.
❤
Vivemos num mundo onde o
sofrimento cresce. Era assim também quando Jesus nasceu. Ele mesmo enfrentou as
dificuldades da pobreza, da perseguição e da exclusão. A Noite Feliz aconteceu
no meio de dia difíceis.
Natal é isso: luz entre
as trevas, paz aos de boa vontade, amor do madeiro da manjedoura ao madeiro da
cruz.
Amemos, perdoemos,
ajudemos, sejamos semelhantes a Cristo!
Pe. Nildo Moura de Melo –
OSFS