"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Das coisas boas


Tem uma crônica do Paulo Mendes Campos em que ele conta de um amigo que sofria de pressão alta e era obrigado a fazer uma dieta rigorosa.
Certa vez, no meio de uma conversa animada de um grupo, durante a qual mantivera um silêncio triste, ele suspirou fundo e declarou:
- Vocês ficam aí dizendo que bom mesmo é mulher. Bom mesmo é sal!

O que realmente diferencia os estágios da experiência humana nesta terra é o que o homem, a cada idade, considera bom mesmo.
Não apenas bom. Melhor do que tudo. Bom mesmo.

Um recém-nascido, se pudesse participar articuladamente de uma conversa com homens de outras idades, ouviria pacientemente a opinião de cada um sobre as melhores coisas do mundo e no fim decretaria:
- Conversa. Bom mesmo é mãe.

Depois de uma certa idade, a escolha do melhor de tudo passa a ser mais difícil.
A infância é um viveiro de prazeres.
Como comparar, por exemplo, o orgulho de um pião bem lançado, o volume voluptuoso de uma bola de gude daquelas boas entre os dedos, o cheiro da terra úmida e o cheiro de caderno novo?
- Bom mesmo é o cheiro de Vick VapoRub.

Mas acho que, tirando-se uma média das opiniões de pré-adolescentes normais brasileiros, se chegaria fatalmente à conclusão de que nesta fase bom mesmo, melhor do que tudo, melhor até do que fazer xixi na piscina, é passe de calcanhar que dá certo.

Mais tarde a gente se sente na obrigação de pensar que bom mesmo é mulher (ou prima, que é parecido com mulher), mas no fundo ainda acha que bom mesmo é acordar na segunda-feira com febre e não precisar ir à aula.

Depois, sim, vem a fase em que não tem conversa.
Bom mesmo é sexo!

Esta fase dura geralmente até o fim da vida, mesmo quando o sexo precisa disputar a preferência com outras coisas boas (“Pra mim é sexo em primeiro e romance policial em segundo, mas longe”).
Quando alguém diz que bom mesmo é outra coisa, está sendo exemplarmente honesto ou desconcertantemente original.

- Bom mesmo é figada com queijo.
- Melhor do que sexo?
- Bom... Cada coisa na sua hora.

Com a chamada idade madura, embora persista o consenso de que nada se iguala ao prazer, mesmo teórico, do sexo, as necessidades do conforto e os pequenos prazeres da vida prática vão se impondo.

- Meu filho, eu sei que você aí, tão cheio de vida e de entusiasmo, não vai compreender isto. Mas tome nota do que eu digo porque um dia você concordará comigo: bom mesmo é escada rolante.

E esta é a trajetória do homem e seu gosto inconstante sobre a terra, do colo da mãe, que parece que nada, jamais, substituirá, à descoberta final de que uma boa poltrona reclinável, se não é igual, é parecido.
E que bom, mas bom mesmo, é nunca mais ser obrigado a ir a lugar nenhum, mesmo sem febre.