"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



segunda-feira, 18 de julho de 2011


''Uma das minhas fotos preferidas da infância mostra meu irmão e eu sentados em um degrau da casa da nossa avó.
Eu deveria ter uns quatro anos de idade.
Usava um vestidinho e estava sentada da forma mais moleca possível, de pernas abertas, sem perceber que a calcinha estava aparecendo.
Certamente minha mãe não estava por perto, ou ela teria dito, como sempre dizia: “Fecha as pernas, menina, olha a compostura”.

A compostura era, para mim, um genérico do bicho papão.
Sempre à espreita.
Se eu falava algum nome feio, olha a compostura.
Se eu agia de forma mais folgada com algum idoso (qualquer um acima de 20 anos), olha a compostura.
Se eu mastigasse o chiclete de boca aberta, olha a compostura.
A danada da compostura me perseguiu a infância toda e, por causa dela, não tive escapatória: acabei virando uma moça educada.

No entanto, descobri com o passar dos anos que é possível ter compostura e ser espontânea ao mesmo tempo.
Que compostura não é sinônimo de rigidez, e sim de adequação.
Sempre acho estranho quando alguém defende a própria grossura argumentando que está sendo “ele mesmo”, como se ter uma postura elegante fosse falta de personalidade.

Lembrei disso outro dia, enquanto assistia na tevê o Tiririca, vestido de palhaço, fazendo campanha contra o nepotismo.
A seu lado, dois personagens que representavam a mãe e o pai do deputado federal, eles também vestidos de palhaço. Tiririca, para deixar tudo bem explicado para a população, diz:
“Pai, continue catando latinha. Mãe, continue lavando roupa pra fora. Não pode contratar parente”.
De fundo, ouvimos um forró de trilha sonora, dentro do clima de São João.

Propaganda eleitoral é sempre uma coisa muita chata, então Tiririca apostou na irreverência, sua marca registrada.
E a intenção foi boa, corrige sua plataforma quando era candidato (“ajudar a todos, inclusive a minha família”).
Compreende-se que precisa estar caracterizado para que seus eleitores o reconheçam, mas não consigo ser benevolente com essa papagaiada toda.
Nepotismo é assunto sério em qualquer lugar do mundo, e já que seus colegas parlamentares o escolheram para vir a público e usar a luta contra o nepotismo como bandeira para promover o partido, seria mais adequado fazê-lo com o traje que costuma usar em sessões do plenário, onde trabalha e recebe salário para defender os interesses do povo que representa.
Ou com roupa casual, sem problema.
Menos fantasiado.
Por nada, não.
Apenas por compostura.
Para conferir um pouco de recato e decência a uma classe já tão desgastada como a política.

Tiririca não é mau sujeito, foi apenas “ele mesmo”.
Uma criança mostrando a calcinha do país em rede nacional.''