É uma das esquisitices do nosso tempo que na época em que mais tempo vivemos haja tanta dificuldade em relação ao que se convencionou chamar velhice. Palavras significam emoções e conceitos, portanto também preconceitos. Por isso, quero falar de minha implicância com a implicância que temos com os vocábulos - e a realidade - velho, velhice.
E, como gosto de historinhas, algumas, como esta, reais,
lembro um episódio com Tônia Carrero, ainda uma linda mulher aos oitenta anos,
na casa de minha comadre Mafalda Verissimo. De repente, alguém lhe perguntou:
"Tônia, chegando aos oitenta, como você lida com a velhice?". Nós
todos gelamos, mas ela, em pé no meio da sala, possivelmente com um cálice de
champanhe na mão, respondeu sem hesitar: "Ora, eu acho ótimo. Porque a
alternativa seria a morte".
A presença de Tônia era sempre uma festa naqueles tempos. E
nós, eu então com mal uns cinquenta, achei maravilhosa aquela presença de
espírito, e aquele pensamento. Naturalmente, nem ela, nem ninguém gostaria de
envelhecer com as doenças, perdas e fragilidades que tantas vezes nos
acompanham quando o número de anos cresce assustadoramente. Mas que, pelo
menos, não sejamos velhos chatos e sombrios, eternamente reclamando de tudo e
de todos.
Quando não pudermos mais realizar negócios, viajar a países
distantes ou dar caminhadas, poderemos ainda exercer afetos, agregar pessoas,
ler bons livros, observar a humanidade que nos cerca, eventualmente lhe dar
abrigo e colo. Para isso, não é necessário ser jovem, belo (significando carnes
firmes e pele de seda...) ou ágil, mas ainda lúcido.
Ter adquirido uma relativa sabedoria e um sensato otimismo -
coisas que podem melhorar. A mim, o que me aborrece é o preconceito evidente
com que cercamos velho, velhice, como se fossem uma enfermidade, um incômodo
para os outros, a demência inevitável, a chateação: “Ah, tenho de ligar para a mamãe, poxa, tenho de
visitar o velho”.
Isso não é apenas grosseria, mas grave pobreza emocional.
Viver deveria ser poder celebrar sempre mais um dia: o nosso, e dos que amamos.
E, em momentos de dor indizível, redobrar sem espalhafato, com delicadeza, o
amor de que somos capazes.