"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

bondade repentina


por Pedro Gabriel

Algo estranho acontece todo final de ano: as pessoas ficam simpáticas. Do nada. Corrigindo: as pessoas que não tinham o hábito de praticar gestos gentis se veem automaticamente entupidas de uma bondade jamais vista. Com direito a brilho nos olhos, sorriso de orelha a orelha e braços mais abertos que os do Cristo. 
Desde 1984, quando nasci, sou testemunha viva desse fenômeno. Não costuma durar muito tempo – geralmente chega na segunda quinzena de dezembro e se estica até o primeiro amanhecer de janeiro.

A sensação que eu tenho é que todo mundo se matriculou ao mesmo tempo em aulas de ioga. Intensivão de pensamentos positivos ohmmmmmm; supletivo de postura bacanuda perante o amor ao próximo ohmmmmmm; hora extra pelo futuro da Mãe Natureza ohmmmmmm… 
Seria lindo se não fosse perecível. Aquela mesma pessoa que ontem te xingava nas redes sociais hoje compartilha freneticamente as atualizações do seu mural. 
E tem mais: comenta com um coraçãozinho fofo e até dá uma curtida na foto da sua árvore de Natal recém-montada. 
(...)
Ah, como eu amo essa época!

Mas cuidado, praticante do bem diário: essas pessoas tocadas pela bondade repentina podem voltar ao normal a qualquer momento. 
Num mundo onde a concorrência é cada vez mais maldosa, ser bom, infelizmente, virou um diferencial. 
Isso sempre me incomodou. 
Não gostaria que a gentileza fosse um item de supermercado, posicionado estrategicamente na prateleira mais alta, com código de barras e prazo de validade – uma espécie de panetone a ser consumido imediatamente.

Que em 2018 todo mês seja dezembro.