"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



sábado, 18 de novembro de 2017

lá e aqui


A Operação Lava-Jato e a campanha das mãos limpas na Itália se parecem em poucos pontos, mas são pontos fundamentais. As duas começaram com cavaleiros destemidos dispostos a combater a corrupção em seu país - o procurador Di Prieto lá, o juiz Moro aqui. Nos dois casos, algumas leis foram, digamos, dribladas para tocar os processos. Moro levou ligeira vantagem sobre Di Prieto no quesito fins que justificam meios.

O terremoto provocado pelas revelações das mãos limpas, que derrubou partidos, carreiras políticas e reputações na Itália, não teve contrapartida exata na Lava-Jato. Aqui os partidos ficaram de pé - só em crise de identidade, sem saber bem o que são e com quem podem se juntar - e carreiras políticas não apenas sobreviveram ao bombardeio da Lava-Jato como estão conseguindo enfraquecê-la. Não demora e a faxina moral duradoura que a Lava-Jato prometia ao país não passará de nostalgia. Lembra do Moro? E pensar que um juiz de província quase liquidou a República...

Na Itália, houve suicídios de envolvidos em escândalos denunciados pelas mãos limpas. Aqui o único suicídio provocado pela Lava-Jato foi o de um inocente injustamente acusado.

O que as mãos limpas e a Lava-Jato têm indiscutivelmente em comum é que, na busca por uma moral absoluta, desnudaram mais do que esquemas de corrupção e de bandidagem corporativa, fizeram - sem querer - retratos de corpo inteiro do capitalismo de compadres em vigor nos seus países. Itália e Brasil têm a mesma história de sociedades dominadas por sistemas excludentes de poder que se fecham contra qualquer ameaça de mudança. Não cabe dizer que na Itália é pior porque lá tem o complicador da Máfia. Nós também temos máfias, que só não ousam dizer seu nome.

Na confusão política e econômica deixada pelas mãos limpas na Itália, brotou, como um cogumelo venenoso, o Berlusconi. O Moro é o nosso Di Prieto, a frustração com as mãos limpas é a frustração com a nossa Lava-Jato derrotada, o capitalismo viciado da Itália é o nosso capitalismo mafioso... Resta a grande questão: quem será o nosso Berlusconi?