Acho que estamos todos de acordo: o mundo melhorou muito
depois que as mulheres passaram a trabalhar, a ganhar seu dinheiro, a ser donas
dos seus desejos, a ter filhos se quiserem, a reivindicar salários
equivalentes, a denunciar maus-tratos e a se unir umas às outras para não se
deixarem reduzir por atitudes machistas. Não foram elas apenas que ganharam com
isso, mas a sociedade inteira, incluindo os homens, já que eles deixaram de
dividir a vida com um bibelô para dividir com uma parceira muito mais realizada
e interessante.
No entanto, esse vigor libertário pode, às vezes, nos fazer
estacionar, mesmo quando parece um avanço. Foi o que percebi ao assistir ao
novo clipe da descolada Karol Conka. Ela acaba de lançar uma música convocando
os homens a fazerem sexo oral em suas garotas. A causa é boa (aliás, é ótima).
Se os rappers falam abertamente de sexo em suas letras, por que Karol Conka não
poderia? Tanto pode que foi lá e fez. Aliás, o nome da música é Lalá. Lá mesmo.
Segundo Karol, em nota de divulgação, o clipe “mostra o
universo feminino de uma maneira doce e ao mesmo tempo divertida”.
Pois me deu medo desta nossa nova doçura. “Moleque mimado
bolado que agora chora/só porque eu mandei ajoelhar e fazer um lalá por várias
horas”.
Outra doçura: “É inacreditável, eles ficam sem ação/quando a
gente sabe o que quer e mete a pressão”.
Não convém reproduzir os outros versos, ou convém e eu é que
sou fresca, mas prefiro que você mesmo dê um Google e me ajude a responder: é
revide? Lutar pelos mesmos direitos significaria tratar os homens como objetos
sexuais, justamente o que tanto lutamos para nos livrar? Basta pesquisar as
letras cantadas por MC Lan, Bonde da Stronda ou o Rodo da Bahia para ver com
que doçura os rappers falam das “mina”. É a mesma ordem de comando, a mesma
petulância. Mandar ajoelhar. Meter pressão. Não era isso que eu imaginava ao
defender a igualdade entre os gêneros.
Escrevi sobre sexo semanas atrás, destacando a importância de
não fazermos julgamentos morais entre quatro paredes – é intimidade privada
entre adultos. Mas levar a subjugação para as paradas de sucesso é confiar
demais no discernimento de boa parte da garotada que poderá acreditar que
prazer é algo a ser dado na marra.
Karol Conka é uma voz importante no cenário musical e
político, uma mulher posicionada, que não se deixa intimidar por preconceitos.
Necessária. Mas não consigo aplaudir esse discurso “I got the power” que me
lembra muito o jeito estúpido com que já fomos tratadas. Antes, eles nos
dominavam, agora nós os dominamos. E o fim da guerra dos sexos fica pra próxima
encarnação.