“O mundo é dos espertos”, me disseram um dia, ou rolou numa
conversa da qual eu participava talvez sem prestar muita atenção. Fiquei
pensando nisso, e repensei muitas vezes nestes tempos bizarros em que o pano se
abre, e o cenário é de que (quase) todo mundo era corrupto, (quase) todos com
rabo preso, e se todos fossem apanhados na Lava-Jato (anda quietinha demais...)
não sobraria quem nos liderasse.
Claro que não é bem assim, mas que as coisas andam mal,
andam. Porém, há luz no fim do túnel ou já pelas beiradas do horizonte: nunca
tanta gente importante foi presa, nunca tanta realidade vergonhosa foi exposta,
nunca tivemos tanta esperança de que desta vez a coisa vai. Diante do fato de
estarmos quase todos tão empobrecidos, calculando cada real, encolhendo os
gastos mesmo não exagerados, repensando as idas ao cinema, cortando aquelas ao
restaurante, irritados quando chegam as contas normais e tensos ao entrar no
internet banking, acho que somos, sim, bastante corajosos. Pois continuamos
vivendo. E não nos vendemos.
Vamos ao trabalho, almoçamos a marmita (neste universo
dietético, até virou moda, pode ser marmita chique...), brincamos com filhos e
netos, tentamos frear o mau humor porque mulher ou marido não têm culpa, e de
repente, numa esquina, numa praça, respiramos fundo e olhamos uma árvore
florida, ou abrimos a cadeira de praia na areia (ninguém é de ferro) e
aspiramos fundo aquele cheiro de mar e aquele azul cristalino: nossa! A vida
ainda pode ser boa.
Mas se a gente não cuida, se a gente não reúne alguma
coragem, estes serão tempos de queixas intermináveis e infinitas aflições.
Muitas vezes constrangida com o noticioso brasileiro, eu entrava na CNN, na
BBC, e outras. O que no começo parecia piada (Trump? Essa é boa! Nem pensar!)
se tornou realidade, e uma primeira coletiva nos deixou boquiabertos. Poxa,
esse é o novo presidente dos States? E agora, e agora?
Então a gente reaprende o valor das pequenas coisas, como
aquela árvore florida, aquele cheiro de maresia, aquele filho ou neto que
passou no vestibular, a mulher ou marido que nos recebe com um sorriso e um
abraço sem maior razão a não ser a do bem-querer. Um bom filme na tevê. Uma
página instigante do novo livro (que ainda pode custar menos que uma ida à
lanchonete). Sei lá. Até um sonho daqueles em que retornamos a algum lugar e
momento da infância, da juventude, de apenas outro dia, e sentimos de novo todo
aquele encantamento.
Se a gente não ficar pessimista demais, chata demais, burra
demais, podemos ainda encontrar lá no fundo a coragem de abrir a janela,
abraçar o mundo, curtir a vida do jeito que ela é, e agradecer. A quem? Sei lá,
depende de cada um. A Deus, aos deuses, à vida, ao destino, a nós mesmos – que
conseguimos tanto em meio a tanta confusão e carência: conseguimos ser pessoas
legais, gerar sujeitos decentes, ter bons amigos, realizar um trabalho honrado,
andar de cara limpa e cabeça erguida, e ainda, no fundo mais fundo, embalar
sonhos. Como quem planta flores aparentemente inúteis num vasinho na sacada, e,
vejam só, dizemos rindo, elas desabrocharam!
E ainda temos este luxo: a sensação incrível de que o mundo
não é dos espertos, é dos corajosos.