Noto pessoas comprometidas com a dor.
Por mais que alguns caminhos apontem para horizontes com
menos nebulosidade, há um caso sério com a dor. Uma íntima convivência da qual
elas não querem abrir mão.
Se fosse um status seria: “vivendo um relacionamento sério
com a minha dor.”
Tudo e qualquer sujeito que tente chamar sua atenção para as
amarras será defenestrado. Afinal, há ali, embora sangrando, uma estranha zona
de conforto que as consome, ao viverem por um triz.
Quem tem a dor como companheira de estimação não aceita
questionamentos.
O passado justifica a vitimização do presente e impede o
futuro.
A dor passa a sujeito da ação. É ela quem comanda tudo. É ela
quem faz as escolhas.
Na escola da dor, a autocomiseração é fundamental para
retroalimentar o que passou; porque o que passou nunca passa.
Se passasse seria como se a pessoa perdesse parte da
história.
Elas precisam ouvir que são amadas em quantidades
industriais.
Não lhes basta o amor. Ele precisa ser dito e redito.
Repetido à exaustão. Até que o amigo se canse. Até que a pessoa consiga se
autossabotar, a ponto de fazer com que todos desistam dela, assim como ela.
Por que tanto desamor por si mesma?
Talvez porque amar a si mesma não lhe proporcione o
sentimento de anulação, de abnegação, e disso depende a manutenção da sua dor
como via de uma estrada sem sinalização, sem rota e sem radar.
Qualquer placa que indique um novo caminho é rechaçada.
Isso tudo porque atualizar a identidade dá muito trabalho e
viver sem a dor de estimação pode ser muito leve, e leveza não é bem o
sentimento mais conhecido para quem vive de lamber suas próprias feridas.
|Cláudia Dornelles|