Tem dias em que eu paro para analisar o que está ali à minha
volta, quem caminha junto, ou quase, o que ando valorizando, em quem costumo
prestar mais atenção. Chego a me surpreender com o tanto de coisas e de pessoas
que guardo comigo sem função alguma, o tanto de energia que costumo gastar à
toa, sem razão, e o quanto coloco em segundo plano justamente quem deveria se
aninhar em meu coração durante as vinte e quatro horas dos dias.
Não dá para sermos racionais o tempo todo, com todo mundo,
ainda mais nesse ritmo alucinante que rege nossas vidas, porém, acabamos caindo
no excesso oposto, absorvendo com prioridade tudo o que faz mal. Parece que as
palavras mais rudes, os gestos mais mesquinhos, as atitudes menos decentes
chegam até nós e não saem, ao passo que tudo o que envolve bondade e
afetividade sincera passa rapidamente pela gente e vai embora.
E, quando a gente percebe que fica dando corda para quem não
quer nada além de perturbar, para quem só sabe agredir, mesmo que com o olhar,
para quem é maldoso, hipócrita e dissimulado, vem a impressão de que devemos
ser muito bobos mesmo, ou temos a palavra trouxa estampada na testa. Não é
possível que a gente vá sobreviver com mínima qualidade de vida, enquanto
continuarmos dando ouvidos a quem só oferece desarmonia e desesperança.
Da mesma forma, caso nos prendamos somente ao que possuímos
materialmente, caso nos prendamos às aparências, à necessidade de consumir, de
ter mais e mais, de mostrar ao mundo que andamos de carro novo, moramos em
condomínio de luxo, viajamos para hotéis nababescos, mais nos esqueceremos de
alimentar as verdades imateriais de que se sustenta o nosso coração, a nossa
essência. É assim que a gente se perde de quem importa e de nós mesmos.
Quem não sabe falar de outra coisa a não ser de dinheiro,
investimentos, calorias e preenchimentos labiais, cansa demais a gente. E é
exatamente esse tipo de pessoa que nos tornaremos, caso não consigamos nos
afastar do apego exagerado aos bens e da atenção demasiada aos chatos de
plantão. A gente entra em sintonia com aquilo que trazemos junto, com as
energias em que focamos nossas forças, com os discursos que guardamos em nossos
corações.
É preciso que, ao fim do dia, mantenhamos aqui dentro somente
aquilo que nos tranquiliza e nos renova, ao som de uma boa música, degustando
um bom vinho, degustando a vida, seja com alguém que valha a pena, seja com a
nossa melhor companhia: nós mesmos.
Marcel Camargo