Nunca fui de fritura, mas desde que o gastroenterologista me
disse que eu não poderia comer nada frito, passo o dia descobrindo novos
lugares para me entupir de bolinhos de bacalhau, bolinhos de arroz, batatas de
lanchonete e pasteis de feira.
Nunca fui de doces, mas desde que minha neurologista disse
que eu pioraria das enxaquecas ao consumir açúcar, virei uma compulsiva por
tapioca de doce de leite, bolo de cenoura com calda de chocolate e qualquer
coisa da Lindt que apareça na minha frente.
Nunca fui de curtir a vida, mas desde que meu ginecologista
falou que “é agora ou nunca pra ter filho” já tentei dançar hip-hop, fumar
maconha, ficar fortemente alcoolizada, fazer festas em minha residência (fazer
festas!), abrir espacate nas festas (ir a festas!) e me separar 28 vezes (não
aguentando e pedindo desesperadamente pra voltar no segundo dia).
Nunca fui de me abandonar em um sofá por 14 horas seguidas,
mas desde que minha fisioterapeuta disse que não existe nada pior pra coluna do
que se abandonar em um sofá por 14 horas seguidas, nunca mais parei de assistir
absolutamente toda a programação da Netflix, do Now e da AppleTV. Fora as
coisas que eu jamais farei, como baixar filmes de forma ilegal. Tem sempre
alguém que baixa pra mim e me amarra no sofá, daí sou obrigada a assistir.
Nunca fui de cagar uma tronca amestrada e gigantesca para
esses seres maravilhosos mais conhecidos como o resto da humanidade, mas desde
que meu analista me disse que amadurecer é prestar mais atenção nos outros, sou
capaz de ficar um dia inteiro pesquisando no Google minúcias gritantemente
específicas e autocentradas do tipo “cantinho de unha inflamado” ou “pinta
pequena dedinho do pé”.
Nunca fui de gastar dinheiro com supérfluos, mas desde que
meu advogado me disse “segura tua onda porque a coisa vai feder muito pra quem
trabalha com cinema” já comprei três jaquetas pretas de couro ridiculamente
iguais, mais uma poltrona fashion pra fazer companhia pra outras duas poltronas
fashion que não cabem na minha casa e entrei para aquele mailing da loja
Antônio Bernardo que te faz receber 765 correspondências por semana.
Nunca fui libertina, mas desde que minha psiquiatra falou que
esse remédio invalidaria minha libido passei a flertar em silenciosa
intensidade com qualquer coisa que se mova, incluindo aí o boneco abestalhado
do posto de gasolina e a cancela automática do Sem Parar.
Nunca fui de ler contratos, mas desde que meu agente me disse
que eu já tinha perdido uns três apartamentos com varanda gourmet em Moema, eu
passei a não ler nem contratos e nem jornais e nem livros e nem mensagens no
celular (porque eu só gravo voz e só me relaciono com quem grava voz). Minha
especialidade agora são bulas de relaxantes musculares, memes “Fora, Temer” e o
que as famosas fazem quando o bigode chinês fica muito profundo.
Nunca fui falsa, mas desde que minha tia me segurou pelos
ombros e falou que eu merecia tudo de bom porque sou uma pessoa cheia de luz
que fala o que pensa, jamais pude parar. Ela não estava com bafo esse dia, por
exemplo. Ela não enche o mundo com frases que não dizem nada e que são iguais
as todas as outras frases que não dizem nada e que me enchem de um vazio azedo.
Eu estou melhor e sou tão grata por tudo. Que fase maravilhosa essa.