Quando a tarde estava prestes a encerrar seu expediente, quase noite, uma cigarra começava a cantar no flamboyant que morava no jardim lá de casa.
Nunca soube se era uma só que cantava ou se eram várias e elas se revezavam. O canto parecia sempre o mesmo, só mudava o dia, que dia sempre teve essa mania de mudar.
Nas proximidades do canto, tocava na rádio a Ave-Maria e um silêncio respeitoso abraçava tudo, aproximava as pessoas.
Não precisava olhar para o relógio, eu sabia que eram seis
horas.
Minha mãe, as minhas avós, paravam o que estavam fazendo para
ouvir aquela música.
Silenciavam, murmuravam coisas que eu não entendia.
Às vezes, chegavam a chorar, sem que meus olhos atentos
pudessem entender os motivos.
Não importa as crenças que as alimentavam, elas não perdiam contato com a espiritualidade.
Com a transcendência.
Com aquilo que é maior do que nós, sendo também em nós.
Eu não tinha a menor noção disso.
Hoje, eu tenho.
Agradeço por ter crescido exatamente ali, onde havia, ao menos, a cada fim de tarde, um espaço para o sagrado.