São exatamente oito e meia de uma manhã siberiana em Porto
Alegre – lá fora está 1°C. Um grau que me inspirou a transferir minha aula
matinal de pilates para as quatro da tarde e a escrever este texto sobre o
inverno, uma estação que para alguns brasileiros é ficção científica, para
outros não passa de um pequeno alívio em meio ao calor tropical e para outros,
ainda, é motivo para perder a noção do ridículo e calçar três meias, luva,
gorro, cinco blusões e um casaco do exército – em casa.
Uma estação que remete a vinhos, fondue, lareira, romantismo
e elegância para quem vive dentro de um cartaz de turismo de Gramado e que para
outros é associada à fila de hospital, nebulizador, descongestionante nasal,
atchim.
Na dúvida entre comentar o charme da estação mais europeia do
ano ou explicar as razões da contagem regressiva feita por quem já vem
espirrando desde maio (faltam 99 dias para o início da primavera!), resolvi
partir para um terceiro viés: inverno se resume a isso?
Na Flórida, 49 pessoas foram assassinadas à queima-roupa
durante uma festa por terem cometido a ousadia de serem gays. Bastou um
arrogante armado de ignorância e metralhadora para lembrar que o tal “avanço da
civilização” empacou e deu meia-volta. Isso é inverno.
O estupro individual ou coletivo de uma menina, de várias
meninas, e de meninos também, os abusos cometidos por trás de paredes vizinhas,
dentro de sacristias e escolas, embaixo de nossos narizes, fazendo com que
crianças se transformem em adultos com dificuldade de amar e de confiar. Isso é
frio de verdade.
Donald Trump ter chegado tão longe. Brrrrrrrr. Me petrifica.
A corrupção, o foro privilegiado, as alianças indecentes
feitas para manter o poder, políticos governando para si mesmos, a falta de
comprometimento social, as delações canalhas da qual a Justiça se tornou
dependente, a ausência de novos líderes, isso é que congela a alma e escurece
mais cedo nossos dias.
Quinze graus é verão. Um grau é sopa. Abaixo de zero estão
nossas perspectivas.
O que poderia nos aquecer? Solidariedade, tolerância,
educação. Três palavras ao vento que, de tão repetidas, já quase perderam o
significado. Mas vale teimar um pouco mais. Não é possível que seja tão difícil
levar em conta os sentimentos dos outros, segurar uma agressão dentro da boca,
compreender que se pode amar a si mesmo sem cair na vaidade de achar que todos
os que não são iguais a nós estão equivocados.
Um pouquinho de humildade, menos pretensão, menos afetação,
lutar por valores que sejam comunitários, que mobilizem, agreguem, aproximem pessoas.
Por aí, quem sabe, a gente extraia algum calor bem antes de a primavera chegar.