Terrível no
inverno não é passar frio, mas tentar não passar frio.
É se antecipar ao
desconforto do vento e da tremedeira.
Passamos a estação
inteira nos adiantando para não sofrer e terminamos sofrendo o dobro.
Nunca conseguimos
nos agasalhar para o frio psicológico.
Planejamos um
momento em que estaremos protegidos que nunca chega. Sempre falta uma coisa que
encerra o aconchego que criamos detalhadamente.
É como se refugiar
num abrigo antiaéreo e deixar a sacola de mantimentos lá em cima. Subir ou não
subir de volta?
Quantas vezes já
tremi a noite inteira somente porque não desejava me levantar para buscar um
edredom?
Dentro do sono, eu
pensava: será que vou ou não vou? E, por fim, dormia com a angústia da dúvida,
tremendo, chamando a gripe para conviver comigo.
Inverno é um
dilema permanente, um descuido irreversível.
Vou assistir a um
filme na sala com a minha mulher, preparamos pipoca e chocolate quente, puxamos
o edredom, demoramos para encontrar o lugarzinho ideal, para nos encaixar entre
as almofadas e o encosto, no instante em que alcançamos a perfeição alguém se
dá conta da ausência do sal. Qual será a alma caridosa a largar a fortaleza e
trazê-lo da cozinha? A tristeza é que – se um sair – recomeçará todo o
reposicionamento delicado que levou horas para ser feito.
A ânsia de não
sofrer contratempos supervaloriza o incômodo. A mania de querer uma situação
ideal nos põe em perigo.
Qualquer movimento
em casa é acampamento, com o medo permanente de sair do fundo da barraca após o
esforço de montá-la. É trazer tudo para não se mexer depois, mas sempre existe
um lapso.
Inverno é
frustração, é distração letal.
Quem já não
enfrentou o banho rápido, desafiou o gelo do lençol, friccionou seus pés com os
pés da esposa, abraçou forte sua companhia debaixo da montanha de cobertas,
suspirou de felicidade quando se enxergou novamente quente e, de repente,
verifica que a persiana tem uma fresta de luz? É preciso muita coragem para
abandonar o acolhimento custoso e reiniciar os trabalhos.
No inverno, por
maior que seja a cautela, esqueceremos algo.
Perderemos
consecutivamente a vantagem que adquirimos com a prevenção.
Basta encontrar
uma posição para se morrer feliz que seremos impelidos a ressuscitar.