"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quarta-feira, 6 de abril de 2016


No restaurante, três crianças almoçavam com os seus pais. Uma escadinha: 2 anos, 4 anos e 6 anos. Lembrou a minha cambada de irmãos: a mesma diferença de dois anos. Sou de 72, Rodrigo é de 70 e Miguel é de 74. Eu me revi, homem feito, na composição da ceia.

Só que os três estavam silenciosos. Não incomodavam. Não implicavam com o cardápio. Não discutiam para sentar ao lado da mãe ou do pai. Nada. Não disputavam preferências e privilégios, como era natural entre os meninos.

Cada um tinha um headphone no ouvido e um celular. Cada um na cabine auditiva de seus jogos. Isolados do que acontecia externamente, com as pálpebras piscando de acordo com a violência dos dedos nas teclas. Não interagiam com o garçom e com ninguém, a não ser com as cores e os barulhos dos seus joguinhos.

Os pais conversavam tranquilamente, sem se importar com os efeitos trágicos daquela falsa felicidade. Os filhos não haviam abandonado a casa. Unicamente seus corpos na mesa, unicamente a boca para comer algo. Eles se mantinham em seus quartos digitais.

Juro que me deu uma compaixão. Não experimentavam o que era um irmão, a natureza nervosa e heróica de um mano.

Irmão pequeno briga, estapeia, provoca, enche o saco, começa a correr pelas cadeiras, inventa maneiras inusitadas de chamar atenção. Atropela os bons modos e é xingado, aprende o que é educação na marra, vai decifrando a brabeza dos pais pelo tom de voz e pela altura das sobrancelhas. Estavam perdendo o melhor da infância, representado na proximidade etária, nas brincadeiras verbais, na luta dos meninos para comer com as mãos, no contato físico que gera o abraço e o perdão, que apressa o entendimento e a saudade. Desperdiçavam o patrimônio afetivo de sair com a família reunida, fato que será raro mais tarde em suas vidas.

Aparentemente comportados, mas tristes. Três filhos apartados como se fossem filhos únicos, solitários, precocemente adolescentes.

Onde anda a infância das crianças?