E eu, que tenho as duas atividades,
escrever e eventualmente falar, que desde criança fui ensinada que cabeça não
foi feita só para separar orelhas, mas para pensar, questionar – e também para ser
feliz –, neste momento, não sei o que pensar. Muito menos o que responder
quando me perguntam interminavelmente o que estou achando, como estou me
sentindo. Estou virando pessimista. Não em minha vida pessoal, mas em relação a
este país. Ou melhor: a seus governantes, autoridades, homens públicos,
políticos. Mal consigo acreditar no que se está passando. A cada dia um
espanto, a cada dia uma decepção, a cada dia um desânimo e uma indignação.
Este já foi o país dos trouxas, que
pagam impostos altíssimos e quase nada recebem em troca; o país dos bobos, que
não distinguem um homem honrado dum patife, uma ação pelo bem geral de uma
manobra para encher o bolso ou galgar mais um degrauzinho no poder a qualquer
custo; o país dos mistérios, onde quem é responsável absoluto não sabe de nada,
ou finge enxergar outra realidade, não a nossa. Hoje, estamos ameaçados de ser
o país dos sem-vergonha. A falta de pudor e o cinismo imperam e não há, exceto
talvez o Supremo Tribunal, lugar totalmente confiável.
Entre os políticos, com cargos ou
não, impera um corporativismo repulsivo – ou estaremos todos de rabinho preso?
Nós, povo que se deixa enganar tão facilmente, que pouco se informa e
questiona, vamos nos tornando da mesma laia? Seremos também, concreta ou
moralmente, vendidos? Quando eu era menina de colégio, às vezes os rapazes se
insultavam gritando "vendido!", não me lembro bem por quê. Deviam ser
questões esportivas. Um ponto não marcado, um gol roubado. Era grave insulto.
Hoje, parece que ninguém mais liga para insultos, leves ou pesados – nada pega,
tudo é água em pena de pato, escorre e acabou-se. Um povo teflon. Vemos líderes
vendendo-se em troca de comodidade, cargo, poder, dinheiro, impunidade,
preservação de algum sórdido segredo, ou simplesmente a covardia protegida.
Quem nos deve representar sumiu no ralo. Quem nos deve orientar se transformou
em mamulengo. Quem nos deve servir de modelo chafurda na lama. E nós, povo
brasileiro, nos arrastamos na tristeza. Reagimos? Como reagimos? Pintamos a
cara e saímos às ruas aos milhares, aos milhões, jogamos ovos podres, paramos o
país, pacificamente que seja, tentamos mudar o giro da máquina apodrecida? Aqui
e ali um tímido protesto, nada mais.
De algum lugar surgiram os senadores
que votam às escondidas porque não têm honra suficiente para enfrentar quem os
elegeu; os deputados pouco confiáveis, alguns duvidosos ministros, de onde
surgiram? De nós. Nós os colocamos lá, nós votamos, nós permitimos que lá
estejam e continuem – nós, através das mãos dos ditos representantes,
instituímos a vergonha nacional que em muitas décadas será lembrada como um
tempo de opróbrio.
E não argumentem que a economia está
ótima: ainda que esteja, digo que me interessa muito menos a economia do que a
honra e a confiança, poder ser brasileiro de cabeça erguida. Existe o Bolsa
Família, a miséria está um pouco menos miserável? Pode ser. Mas os hospitais
continuam pobres e podres, as escolas e universidades carentes, as estradas
intransitáveis, a autoridade confusa e as instituições esfaceladas, os
horizontes reduzidos. O Senado terminou de ruir? Querem até acabar com ele?
Pode parecer neste momento que ele não faz muita falta, mas sua ausência seria
um passo para o Executivo ditatorial, a falência total da ordem e a perda de um
precário equilíbrio.
Com pressentimentos nada bons, faço –
embora sem grande esperança – uma conclamação: tolerância zero com tudo o que
nos desmoraliza e humilha, perseguição implacável ao cinismo, mudança total nas
futuras eleições, faxina no Congresso, Senado e câmaras, renovação positiva no
país. Conscientização urgente, pois, acreditem, do jeito que vai a coisa tende
a piorar.
... e como piorou, Lya!
Texto publicado em 08 de fevereiro de
2010, na Revista Veja.