"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



sábado, 14 de novembro de 2015


Todos os dias, da manhã até o cair da noite, Jacob Simen não fazia outra coisa senão maldizer a sorte ingrata. Blasfemava contra o destino que o forçava a viver naquela insuportável e torturante penúria. A casa em que morava era pequena, incômoda e sem conforto: não dispunha senão de dois quartos para os pequenos e de uma sala minúscula com duas janelas, onde mal podia receber, nos dias de festa, meia dúzia de amigos e vizinhos.

A paciente Sorele não concordava com as queixas e revoltas do marido. A vida para eles não era, por certo, invejável. Lá isso não era! Podia, porém, ser pior, muito pior…
- “Pior do que isso, mulher, nunca”!, clamava Jacob, arrepelando-se, irritado.
- “Repara na apertura e no desconforto em que vivemos! Não cabemos nesta casa e não vejo como nem quando será possível arranjar outra melhor”.

Um dia, afinal, a cidade foi visitada por um sábio famoso que o povo apelidara Baal Schem.
Sorele sugeriu, cheia de confiança, ao esposo:
- “Por que não vais ouvir o velho Baal Schem? Dizem que ele tem feito espantosos milagres. Possivelmente poderá auxiliar-nos”.

Tal lembrança parecia traduzir uma providência fácil, acertada e feliz. Nesse mesmo dia, Jacob Simon foi ter à presença do santo rabi e desafiou o rosário interminável de suas queixas e misérias: que vivia num casebre triste e miserável e seu maior sonho era possuir uma casa ampla e espaçosa.

- “Meu filho”, ponderou o sábio, cheio de paciência e bondade, “posso, realmente, com a valiosa proteção dos guias invisíveis, realizarem prodigioso milagre em teu benefício. Serei capaz de transformar a tua casa, pobre e acanhada, em um lugar amplo, claro e confortável. Para tanto torna-se indispensável que pronuncies, agora mesmo, um juramento: vais ter que jurar, pelo nome sagrado de Moisés, e pela memória de todos os profetas, que seguirás fielmente todas as minhas determinações”.

- “Juro”!, Declarou Jacob com voz firme e inabalável sinceridade.
- “Muito bem. Agora uma pergunta: Tens uma vaca, não é verdade”?
- “Sim, com efeito. Tenho uma vaca”.
- “Leva, então, hoje mesmo, a vaca pra dentro da tua casa”!
- “A vaca para dentro de casa”!?
- “Senhor! Na casa em que moro mal cabem os meus filhos. Onde colocarei a vaca”?
- “Lembra-te, amigo, de teu juramento! Põe a vaca dentro de casa”.

Não houve remédio. Era preciso obedecer cegamente ao milagroso conselheiro. Aquela vaca, sob o teto de seu lar representava uma tortura constante. O monstruoso animal quebrava, destruía e sujava tudo. Para que os vizinhos não envolvessem o caso com os impiedosos comentários ditados pelo ridículo, a delicada Solere conservava as janelas e portas cuidadosamente fechadas durante o dia.

Decorridos três dias, voltou Jacob, a alma vencida pelo desespero, à presença do Baal Schem.
Era preciso pôr termo, o mais depressa possível, àquela situação torturante!

- “Tens uma cabra”? Indagou o sacerdote, à meia voz.
- “Sim”.
- “Leva também a cabra para dentro de tua casa”! Ordenou, sem hesitar, o prudente rabi.

A nova determinação do milagroso guia deixou Jacob sucumbido pelo desalento. A vaca, por si só, tornava a vida, dentro da casa, insuportável. A cabra e a vaca, juntas seriam umas calamidades! Que horror!

Antes de terminar a primeira semana, Jacob receando que o desespero o levasse à loucura, voltou a implorar o auxílio do santo e virtuoso conselheiro. Sentia-se esgotado; na sua casa não havia mais sossego; as crianças sofriam. Ele preferia morrer a continuar a viver daquela maneira miserável e anti-humana.

Disse, então, o santo milagroso:
- “Retira, então hoje a cabra. Amanhã, logo que o sol nascer, farás a mesma coisa com a vaca. Procederás, a seguir, a uma cuidadosa limpeza em tua casa, arrumando os móveis como se achavam. Ao cair da tarde irei visitar-te para ver realizado o milagre”!

No dia seguinte, o sábio encontrou o judeu risonho e satisfeito. Sentia-se perfeitamente feliz em companhia da meiga Solere e de seus quatro filhos.

- “Que tal”?, Indagou Baal Schem.
- “Eis a verdade, ó Rabi! Livre da vaca e livre também da cabra, a nossa casa é uma delícia! Sinto-me bem dentro dela. Já podemos respirar e viver! Há até lugar de sobra para as crianças”!

Estava feito o prodigioso milagre.
Baal Schem transformara, numa casa ampla e confortável, o mísero casebre do judeu!


[ Conto israelita citado em “Lendas do povo de Deus”, de Malba Tahan ]