Nesses últimos dias, diante de um mundo ameaçado pelo terror,
deu pra extrair algo de bom. Na sexta-feira, poucas horas depois dos primeiros
tiroteios, ninguém ainda sabia se os atentados haviam cessado, onde estavam os
terroristas e qual era a soma das vítimas, mas já havia cartazes nos prédios
comunicando: Porte ouverte, que em português significa “porta aberta”. Os
moradores da capital francesa, sabendo que muitas ruas estavam sendo fechadas e
que não haveria como turistas e transeuntes voltarem a seus hotéis e moradias,
colocavam-se à disposição para hospedar desconhecidos aquela noite fatídica.
Diante disso, importa quem é ateu, quem é católico, quem é
muçulmano?
Religião serve para confortar diante da finitude e para
atenuar angústias, culpas e faltas. Precisam de religião os que não se
contentam em recorrer unicamente à razão e que se sentem menos inseguros
compartilhando seu destino com alguma entidade superior, ainda que etérea.
Muitos precisam de religião e não há nada de errado em se amparar nela
emocionalmente. Mas o sagrado se apresenta de várias outras maneiras.
Generosidade é uma atitude laica. Solidariedade, idem. Boa
vontade, amizade, sensibilidade, ternura, comoção. Nada disso está relacionado
à conversão a uma doutrina. Não precisamos de líderes, de mártires, de messias
para sermos gente direita. Pais, mães, tios, avós e professores geralmente dão
bons guias no início da nossa jornada e nem precisam ser santos.
A religião começa a dar defeito quando deixa de ser um
consolo pessoal para ser usada politicamente – como a história demonstra. Gire
o globo e para onde seu dedo apontar haverá conflitos religiosos insuflados
pelo poder que certos grupos radicais se outorgam. Conflito: o revés da paz e
da bondade que deveriam ser intrínsecos à vida espiritual.
Morremos todos os dias por bala perdida, negligência,
delinquência – terror também –, mas morrer por divergências religiosas nos
deixa ainda mais em choque por sua contradição: o divino nunca deveria se
atrelar à covardia e à brutalidade.
Enfim, porta aberta para aqueles que não consideram profanos
o prazer e a alegria. Porta aberta para quem reza para o Deus que quiser, sem
tentar subjugar a vida alheia a seus preceitos particulares. Porta aberta a
quem faz o bem, com ou sem religião. Porta aberta para quem precisa de um copo
d`água, um abraço, um sofá – e não de discurso, sermão.
As igrejas são, em tese, grandes templos onde as portas são
mantidas abertas para todos. A sexta-feira 13 parisiense mostrou que por trás
de cada porta da cidade pode haver outro tipo de igreja, sem altares, sem
confessionários, sem imagens, sem dogmas. Apenas aquele bom e velho amor ao
próximo em seu conceito mais espontâneo e simplificado, que se manifesta quando
vem desapegado de crenças sobre-humanas.