Sou do tempo em que tristeza era curada com
um pedaço de goiabada com queijo, mas hoje não. Qualquer tristezazinha já tem
de ser medicada com comprimidos que entorpecem a alma.
(...) Coisa mais esquisita. Só porque está um
pouco ansiosa, fato normalíssimo na vida humana, já foi diagnosticada como
deprimida.
Tristeza agora tem outro nome?
Isso é falta do que fazer. Se lavasse uma
mala de roupa por dia, certamente estaria bem cansada para dormir a noite toda,
mas não.
Sou da época em que o fogão à lenha era o
coração da casa. A labareda e seu poder de manter os filhos ao redor da mesa! A
vida era artesanal. A felicidade se escondia numa panela de barro com carne
moída e abobrinha.
Sou do tempo em que mingau de fubá era a primeira refeição do dia. A roupa branca quarando no varal, o cheiro de broa de milho, o calor do forno de tambor que ficava na varanda. Vida emoldurada de matéria simples, quase silenciosa.
Essa vida moderna não tem nada de artesanal. Tudo é feito às pressas. Antes, a vida demorava para acontecer. Hoje não. Não há espaço para a espera que nos permite ocupar a mente. Os sabores não demoram em nós.
Recordo-me. A jabuticabeira florida era
epifania de uma felicidade de época. Alegrias com cores de novembro. Chuvas
torrenciais que nos permitiam tardes de prazeres delicados. Observar a
metamorfose das flores em frutos era satisfação sem preço.
A natureza costurada de regras consumava
diante de nossos olhos o ditado bíblico diz que debaixo do céu há um tempo para
cada coisa.
Era o tempo alinhavando os destinos das
floradas, enquanto no silêncio do coração uma primavera fora de hora insistia
em lançar pequenos brotos.
Sou do tempo em que tristeza era curada com uma mala de roupa pra lavar. O sabão e sua espuma sugerindo limpeza. Por dentro e por fora. A mesma água lavando sujeiras diferentes, alvejando roupas e alma num mesmo movimento. Tanque cura tristeza. Sol quente favorecendo o desejo de quarar as mazelas do mundo, retirando as manchas do tempo, os desatinos do passado. A água e sua capacidade de atingir o mais profundo, ultrapassando a pele e chegando aos destinos mais ocultos. A sujeira da roupa sendo desfeita pela força dos gestos das mãos. Do gesto, o que se desfeita pela força dos gestos das mãos. Do gesto, o que se desprende, como se houvesse uma continuidade que os olhos não enxergam, mas que a alma recebe em silêncio, prostrada.
O que faz a diferença no mundo é o jeito como olhamos para ele. Ando convencida de que a simplicidade são os óculos ideais pra uma visão mais acertada.
Relação complicada nasce é do jeito como nos
olhamos. Depende do foco. Se há simplicidade em quem olha, naturalmente se
torna simples aquele que é olhado. Oh, vida de meu Deus! Quanta coisa seria
diferente, caso a simplicidade crescesse pelas ruas, do mesmo jeito que cresce
a tiririca no meu jardim.
Sou do tempo em que jardim não era artigo de luxo. Cada família cultivava o seu.
Hoje arrumaram até paisagistas para darem
jeito nas feiúras do mundo.
Solução fácil não existe. Cada um deveria
cuidar da feiúra mais próxima. É só assim que o mundo pode ter jeito.
Acho que estou ficando triste, ou deprimida, não sei.
Melhor comer um pedaço de goiabada com
queijo!
Antes prevenir, que remediar.