"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Sou do tempo em que tristeza era curada com um pedaço de goiabada com queijo, mas hoje não. Qualquer tristezazinha já tem de ser medicada com comprimidos que entorpecem a alma. 
(...) Coisa mais esquisita. Só porque está um pouco ansiosa, fato normalíssimo na vida humana, já foi diagnosticada como deprimida. 
Tristeza agora tem outro nome?
Isso é falta do que fazer. Se lavasse uma mala de roupa por dia, certamente estaria bem cansada para dormir a noite toda, mas não.

Sou da época em que o fogão à lenha era o coração da casa. A labareda e seu poder de manter os filhos ao redor da mesa! A vida era artesanal. A felicidade se escondia numa panela de barro com carne moída e abobrinha.

Sou do tempo em que mingau de fubá era a primeira refeição do dia. A roupa branca quarando no varal, o cheiro de broa de milho, o calor do forno de tambor que ficava na varanda. Vida emoldurada de matéria simples, quase silenciosa.

Essa vida moderna não tem nada de artesanal. Tudo é feito às pressas. Antes, a vida demorava para acontecer. Hoje não. Não há espaço para a espera que nos permite ocupar a mente. Os sabores não demoram em nós. 
Recordo-me. A jabuticabeira florida era epifania de uma felicidade de época. Alegrias com cores de novembro. Chuvas torrenciais que nos permitiam tardes de prazeres delicados. Observar a metamorfose das flores em frutos era satisfação sem preço. 
A natureza costurada de regras consumava diante de nossos olhos o ditado bíblico diz que debaixo do céu há um tempo para cada coisa. 
Era o tempo alinhavando os destinos das floradas, enquanto no silêncio do coração uma primavera fora de hora insistia em lançar pequenos brotos.

Sou do tempo em que tristeza era curada com uma mala de roupa pra lavar. O sabão e sua espuma sugerindo limpeza. Por dentro e por fora. A mesma água lavando sujeiras diferentes, alvejando roupas e alma num mesmo movimento. Tanque cura tristeza. Sol quente favorecendo o desejo de quarar as mazelas do mundo, retirando as manchas do tempo, os desatinos do passado. A água e sua capacidade de atingir o mais profundo, ultrapassando a pele e chegando aos destinos mais ocultos. A sujeira da roupa sendo desfeita pela força dos gestos das mãos. Do gesto, o que se desfeita pela força dos gestos das mãos. Do gesto, o que se desprende, como se houvesse uma continuidade que os olhos não enxergam, mas que a alma recebe em silêncio, prostrada.

O que faz a diferença no mundo é o jeito como olhamos para ele.  Ando convencida de que a simplicidade são os óculos ideais pra uma visão mais acertada.
Relação complicada nasce é do jeito como nos olhamos. Depende do foco. Se há simplicidade em quem olha, naturalmente se torna simples aquele que é olhado. Oh, vida de meu Deus! Quanta coisa seria diferente, caso a simplicidade crescesse pelas ruas, do mesmo jeito que cresce a tiririca no meu jardim.

Sou do tempo em que jardim não era artigo de luxo. Cada família cultivava o seu. 
Hoje arrumaram até paisagistas para darem jeito nas feiúras do mundo. 
Solução fácil não existe. Cada um deveria cuidar da feiúra mais próxima. É só assim que o mundo pode ter jeito. 

Acho que estou ficando triste, ou deprimida, não sei.
Melhor comer um pedaço de goiabada com queijo!
Antes prevenir, que remediar.