Um dos meus textos mais conhecidos chama-se A morte devagar,
que publiquei na véspera de Finados de 2000 e que logo ganhou o mundo com o
título Morre Lentamente. No início foi equivocadamente atribuído a Pablo
Neruda, por isso o espalhamento e seu sucesso. Passado tanto tempo, já me
devolveram a autoria e hoje esse texto virou canção na França e entrou no roteiro
de um filme italiano – sem falar nas traduções para o espanhol, que alguns
desconfiados ainda acreditam ser seu idioma de origem.
Na época, aproveitando a proximidade do Dia dos Mortos,
escrevi puxando as orelhas (não os pés) daqueles que morrem em vida: os que
evitam o risco, a arte, a paixão, o mistério, as viagens e as perguntas -
apenas atravessam os dias respirando.
Agora, na proximidade de um novo Finados, 15 anos depois,
reitero: não morra lentamente. Morra rápido, de uma vez só, sem delongas. Morra
quantas vezes for necessário.
Quando fiz meu mapa astral, ouvi da astróloga: “Você tem
dificuldade de lidar com ambivalências, gosta das coisas esclarecidas, para o
bem ou para o mal”. E ela concluiu: “Morrer é algo que você faz bem, ficar em
banho-maria, não”.
Sombrio? Soturno? Ao contrário. Entendi com clareza sobre o
que ela falava. Morte é a antessala da luz. Não a morte definitiva, que encerra
o assunto, mas as diversas mortes em vida, os vários falecimentos a que somos
submetidos. É preciso morrer bem enquanto se vive.
Cada final de amor é uma pequena morte, por exemplo. Morre
lentamente quem fica alimentando fantasias de retorno, planejando vinganças,
cultivando lembranças com naftalina. Sei que dói, mas não deixe esse amor
definhando na UTI, dê logo a extrema-unção, acabe com isso, morra rápido, morra
de vez, para que possa renascer ligeiro também.
Finais de carreira, finais de amizade, finais de ciclo:
mortes que acontecem aos 30, aos 40 anos, em qualquer idade. Dói, dói demais,
não estou negando a dor, mas o que você prefere? As dúvidas, as ilusões, o
apego? Prefere a sobrevida a uma vida nova? Confie na experiência de quem já se
enterrou algumas vezes. Morra. Morra bem morrido, baby.
Final de juventude, final da faculdade, final de uma viagem de
intercâmbio: vai ficar agindo como se tivesse 18 anos para sempre? Mate o
moleque em você, renasça adulto.
A morte daqueles que amamos é trágica, mas nossa própria
morte, não. Ela é uma contingência de nossa longa existência, e essa não é uma
frase cínica, simplesmente é assim. Nossos sonhos morrem. Nosso passado morre.
Nossas crenças. Fazer o quê? Morra bem. Morra com categoria. Com dignidade. O
menos lentamente possível. Morra de morte bem arrematada, uma, duas, três mil
vezes, morra em definitivo sempre que for exigido, para sobrar tempo.
Tempo para a vida em frente.