"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quarta-feira, 23 de setembro de 2015


Meu amado filho. Minha amada filha.

No dia que esse teu velho não for mais o mesmo, tenha paciência e compreende-me.
Quando eu derramar comida sobre a minha roupa e me esquecer como amarrar os meus sapatos, tenha paciência comigo. E lembra-te então, das horas que eu passei para ensinar-te estas mesmas coisas.

Se quando conversares comigo e eu repetir as mesmas histórias que já sabes como terminam, não me interrompas e escuta-me. Quando eras criança, para que você dormisse, tive que te contar milhares de vezes a mesma história. E isso todos os dias até que fechasse os olhinhos e dormisse.

Quando estivermos reunidos e, sem querer, eu fizer as minhas necessidades, não fiques com vergonha de mim. Compreenda-me e saiba que não tenho culpa disso, pois já não consigo mais controlar. E lembre-te de quantas vezes pacientemente eu troquei as tuas roupas, troquei as tuas fraldas. Te limpei e te quis sempre limpinho e cheiroso.

Não me reproves se eu não quiser tomar banho, mas tenha paciência comigo. Lembra-te dos momentos em que te persegui e dos mil pretextos e desculpas que você procurava encontrar e inventava para tentar me convencer a não precisar tomar banho.

Quando me vires inútil e ignorante na frente de novas tecnologias, não sabendo mexer direito no computador ou no celular, peço-te que me dês todo o tempo que seja necessário. Não me critique com um sorriso sarcástico. Lembra-te que fui eu que te ensinou tanta coisa. Ensinei você a como comer, a se vestir e a andar. Tudo isso é resultado do meu esforço, da minha dedicação e da minha perseverança.

Se em algum momento, quando conversamos eu me esquecer do que estávamos a falar, tenha paciência e não grite comigo e me ajude a lembrar. Talvez a única coisa importante para mim naquele momento, seja o fato de você estar perto de mim, dando-me atenção.

Se alguma vez eu não quiser comer, que você saiba insistir com carinho, assim como eu fiz tantas vezes contigo. Que também compreendas, que com o tempo não terei dentes fortes e nem agilidade para engolir. Daí você deverá pôr a comida na minha boca. Tenha paciência comigo.

E quando minhas pernas falharem por estarem tão cansadas e eu já não conseguir mais me equilibrar, tenha ternura e dê-me a tua mão para que eu possa me apoiar, como eu fiz quando tu começaste a caminhar com as tuas perninhas tão frágeis.

E se algum dia me ouvires dizer que eu não quero mais viver, não te aborreças comigo. Algum dia entenderá que isso não tem nada a ver com teu carinho ou com quanto eu te amo. Tente compreender que já não vivo, senão sobrevivo e isso não é viver.
Compreendas que é difícil ver a vida abandonando aos poucos o meu corpo e que é duro admitir que já não tenho mais vigor para correr ao teu lado ou para tomar-te nos meus braços, como antes.

Sempre quis o melhor para ti. E sempre me esforcei para que o teu o mundo fosse mais confortável, mais belo e mais florido. E até quando eu me for desta vida, terei deixado para ti outra rota, em outro tempo. Mas eu estou certo de estar sempre presente no teu pensamento.
Não te sintas triste ou impotente por me veres assim. Não me olhes com cara de pena ou dó. Dá-me apenas o teu coração. Compreenda-me e apoia-me, como eu fiz quando tu começastes a viver. Isso me dará muita força e muita coragem.

Da mesma maneira como eu te acompanhei no início da tua jornada, peço-te carinhosamente que me acompanhes para terminar a minha vida. Não me deixe sozinho.
Trata-me com amor e com paciência e eu te devolverei o meu sorriso e a minha gratidão.

Com imenso amor que eu sempre tive por ti. 

Atenciosamente: Teu velho.