(...)
Pois eu não tinha intenção
alguma de escrever sobre o dia dos pais. Mas, de repente, passando os olhos num
livro que uma amiga me enviou, encontrei a seguinte afirmação: “Tomar uma
decisão de ter um filho é algo que irá mudar sua vida inteira de forma
inexorável. Dali para frente, para sempre, o seu coração caminhará por caminhos
fora do seu corpo.”
Aí as idéias puseram a se
movimentar por conta própria. Pensei na minha condição de pai. É verdade: pai é
alguém que, por causa de um filho, tem sua vida inteira mudada de forma
inexorável. Isso não é verdadeiro do pai biológico. É fácil demais ser pai
biológico. Pai biológico não precisa ter alma. Um pai biológico se faz num
momento. Mas há um pai que é um ser da eternidade: aquele cujo coração caminha
por caminhos fora do seu corpo. Pulsa, secretamente, no corpo do seu filho
(muito embora o filho não saiba disto).
Lembrei-me dos meus sentimentos
antigos de pai, diante dos meus filhos adormecidos.
Veio-me à mente a imagem de um “ninho”. Bachelard, o pensador mais sensível que conheço, amava os ninhos e escreveu sobre eles. Imaginou que, “para o pássaro, o ninho é indiscutivelmente uma cálida e doce morada. É uma casa de vida: continua a envolver o pássaro que sai do ovo. Para este, o ninho é uma penugem externa antes que a pele nua encontre sua penugem corporal.”
Era isso que eu queria ser. Eu queria ser ninho para os meus filhos pequenos. Queria que meu corpo fosse um ninho-penugem que os protegesse, um ninho que balança mansamente no galho de uma árvore ao ritmo de uma canção de ninar…
Veio-me à mente a imagem de um “ninho”. Bachelard, o pensador mais sensível que conheço, amava os ninhos e escreveu sobre eles. Imaginou que, “para o pássaro, o ninho é indiscutivelmente uma cálida e doce morada. É uma casa de vida: continua a envolver o pássaro que sai do ovo. Para este, o ninho é uma penugem externa antes que a pele nua encontre sua penugem corporal.”
Era isso que eu queria ser. Eu queria ser ninho para os meus filhos pequenos. Queria que meu corpo fosse um ninho-penugem que os protegesse, um ninho que balança mansamente no galho de uma árvore ao ritmo de uma canção de ninar…
Que felicidade enche o coração
de um pai quando o filho que ele tem no colo se abandona e adormece!
Adormecida, a criança está dizendo: “tudo está bem; não é preciso ter medo”. Deitada adormecida nos braços-ninho do seu pai, ela aprende que o universo é um ninho!
Não importa que não seja! Não importa que os ninhos estejam todos destinados ao abandono e ao esquecimento! A alma não se alimenta de verdades. Ela se alimenta de fantasias. O ninho é uma fantasia eterna.
“O ninho leva-nos de volta à infância, a uma infância!” (Bachelard).
É impossível calcular a importância desses momentos efêmeros na vida de uma criança. É impossível calcular a importância desses momentos efêmeros na vida de um pai. O efêmero e o eterno abraçados num único momento! “Conter o infinito na palma da sua mão e a eternidade em uma hora”: o pai que tem o seu filho adormecido nos seus braços é um poeta! Essas palavras do poeta William Blake bem que poderiam ser suas. Um homem que guarda memórias de ninho na sua alma tem de ser um homem bom. Uma criança que guarda memórias de um ninho em sua alma tem de ser calma!
Adormecida, a criança está dizendo: “tudo está bem; não é preciso ter medo”. Deitada adormecida nos braços-ninho do seu pai, ela aprende que o universo é um ninho!
Não importa que não seja! Não importa que os ninhos estejam todos destinados ao abandono e ao esquecimento! A alma não se alimenta de verdades. Ela se alimenta de fantasias. O ninho é uma fantasia eterna.
“O ninho leva-nos de volta à infância, a uma infância!” (Bachelard).
É impossível calcular a importância desses momentos efêmeros na vida de uma criança. É impossível calcular a importância desses momentos efêmeros na vida de um pai. O efêmero e o eterno abraçados num único momento! “Conter o infinito na palma da sua mão e a eternidade em uma hora”: o pai que tem o seu filho adormecido nos seus braços é um poeta! Essas palavras do poeta William Blake bem que poderiam ser suas. Um homem que guarda memórias de ninho na sua alma tem de ser um homem bom. Uma criança que guarda memórias de um ninho em sua alma tem de ser calma!
Mas logo o pequeno pássaro
começará a ensaiar seus vôos incertos. Agora não serão mais os braços do pai,
arredondados num abraço, que irão definir o espaço do ninho. Os braços do pai
terão de se abrir para que o ninho fique maior. E serão os olhos do pai, no
espaço que seus braços já não podem conter, que irão marcar os limites do
ninho. A criança se sente segura se, de longe, ela vê que os olhos do seu pai a
protegem. Olhos também são colos. Olhos também são ninhos. “Não tenha medo.
Estou aqui! Estou vendo você”: é isso o que eles dizem, os olhos do pai.
O tempo passa. Os pássaros
tímidos aprendem a voar sem medo. Já não necessitam do olhar tranquilizador do
pai. É a adolescência.
Ser pai de um adolescente nada tem a ver com ser pai de uma criança. Pobre do pai que continua a estender os braços para o filho adolescente, como na tela de Van Gogh! Seus braços ficarão vazios. Como se envergonharia um adolescente se seu pai fizesse isso, na presença dos seus companheiros! É o horror de que os pássaros companheiros de vôo o vejam como um pássaro que gosta de ninho! Adolescente não quer ninho. Adolescente quer asas.
Os ninhos, agora, só servem como pontos de partida para vôos em todas as direções. Liberdade, voar, voar… A volta ao ninho é o momento que não se deseja. Porque a vida não está no ninho, está no vôo. Os ninhos se transformam em gaiolas. Se eles procuram os olhos dos pais não é para se certificar de que estão sendo vistos, mas para se certificar de que não estão sendo vistos! Aos pais só resta contemplar, impotentes, o vôo dos filhos, sabendo que eles mesmos não podem ir. Nos espaços por onde seus filhos voam os ninhos são proibidos. Mas eles terão de voltar ao ninho, mesmo contra a vontade. E o pai se tranquiliza e pode finalmente dormir ao ouvir, de madrugada, o barulho da chave na porta: “Ele voltou…”
Ser pai de um adolescente nada tem a ver com ser pai de uma criança. Pobre do pai que continua a estender os braços para o filho adolescente, como na tela de Van Gogh! Seus braços ficarão vazios. Como se envergonharia um adolescente se seu pai fizesse isso, na presença dos seus companheiros! É o horror de que os pássaros companheiros de vôo o vejam como um pássaro que gosta de ninho! Adolescente não quer ninho. Adolescente quer asas.
Os ninhos, agora, só servem como pontos de partida para vôos em todas as direções. Liberdade, voar, voar… A volta ao ninho é o momento que não se deseja. Porque a vida não está no ninho, está no vôo. Os ninhos se transformam em gaiolas. Se eles procuram os olhos dos pais não é para se certificar de que estão sendo vistos, mas para se certificar de que não estão sendo vistos! Aos pais só resta contemplar, impotentes, o vôo dos filhos, sabendo que eles mesmos não podem ir. Nos espaços por onde seus filhos voam os ninhos são proibidos. Mas eles terão de voltar ao ninho, mesmo contra a vontade. E o pai se tranquiliza e pode finalmente dormir ao ouvir, de madrugada, o barulho da chave na porta: “Ele voltou…”
Mas chega o momento quando os
filhos partem para não mais voltar.
Através da minha janela vejo um
ninho que rolinhas construíram nas folhas de uma palmeira. A pombinha está
chocando seus ovos. Vejo sua cabecinha aparecendo fora do ninho. Mas numa outra
folha da mesma palmeira há um outro ninho, abandonado. Esse é o destino dos
ninhos, de todos os ninhos: o abandono.
Gibran Khalil Gibran escreveu,
no seu livro O Profeta, um texto dedicado aos filhos. Não sei de cor suas
precisas palavras. Mas vou tentar reconstruí-las. É aos pais que ele se dirige.
“Vossos filhos não são vossos filhos. Vossos filhos são flechas. Vós sois o
arco que dispara a flecha. Disparadas as flechas elas voam para longe do arco.
E o arco fica só.”
Esse é o destino dos pais: a
solidão. Não é solidão de abandono. E nem a solidão de ficar sozinho. É a
solidão de ninho que não é mais ninho. E está certo. Os ninhos deixam de ser
ninhos porque outros ninhos vão ser construídos. Os filhos partem para
construir seus próprios ninhos e é a esses ninhos que eles deverão retornar.
Assim é na natureza. Assim é com
os bichos. Deveria ser conosco também. Mas não é.
Quem é pai tem o coração fora de lugar, coração que caminha, para sempre, por caminhos fora do seu próprio corpo. Caminha, clandestino, no corpo do filho. Dito pela Adélia: “Pior inferno é ver um filho sofrer sem poder ficar no lugar dele.” Dito pelo Vinícius, escrevendo ao filho: “Eu, muitas noites, me debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais indefesas lágrimas de amor, e pedi a todas as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para a tua…”
Quem é pai tem o coração fora de lugar, coração que caminha, para sempre, por caminhos fora do seu próprio corpo. Caminha, clandestino, no corpo do filho. Dito pela Adélia: “Pior inferno é ver um filho sofrer sem poder ficar no lugar dele.” Dito pelo Vinícius, escrevendo ao filho: “Eu, muitas noites, me debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais indefesas lágrimas de amor, e pedi a todas as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para a tua…”
Sei que é inevitável e bom que
os filhos deixem de ser crianças e abandonem a proteção do ninho. Eu mesmo
sempre os empurrei para fora.
Sei que é inevitável que eles
voem em todas as direções como andorinhas adoidadas.
Sei que é inevitável que eles
construam seus próprios ninhos e eu fique como o ninho abandonado no alto da
palmeira…
Mas, o que eu queria, mesmo, era
poder fazê-los de novo dormir no meu colo…