Toda mulher bonita não se acha bonita. Mesmo a mais bonita.
É alguma coisa que não agrada: a orelha, o pé, a mão. São
detalhes imperceptíveis para a tripulação barbuda. Ou as veias estão muito
saltadas ou as unhas quebram rápido.
Uma coisinha que somente ela nota.
E ela sofre duas vezes: quando alguém descobre e quando
ninguém enxerga.
A segunda opção é a mais triste. Caso o problema passar
despercebido, partirá do princípio de que é tão insignificante que não merece a
atenção dos outros.
Toda mulher se vê filha única do defeito. E não é um defeito,
mas uma cisma. A maior parte dos defeitos é superstição.
Talvez o martírio feminino venha do excesso de controle: ela
se olha demais, e tudo ganha o dobro de importância. O homem se olha de menos,
e nunca teve estrias e celulite.
Para a mulher, espelho é lupa. Para o homem, espelho é
janela.
Uma espinha, por exemplo, quando descoberta por uma mulher
torna-se o próprio rosto. O rosto não existe mais, somente a espinha, que é
alisada a cada preocupação.
Mulher não se acha realmente bonita. Nem Brigitte Bardot
antes. Nem Gisele Bündchen agora.
Mulher nenhuma no mundo é vaidosa; vaidade é a confirmação de
um atributo e ela desconhece suas qualidades.
Mulher nenhuma acredita que é bonita, apenas disfarça que é
bonita.
O elogio que recebe soa como ironia. A ausência de elogio soa
como reclamação.
Arrumar-se de manhã para a mulher não é um prazer, e sim um
pânico.
No fundo, ela se considera um encalhe. Jura que qualquer novo
amor é resultado de compaixão ou cegueira masculina.
Mulher não nasce bonita, torna-se provisoriamente bonita (em
sua concepção, a beleza dura apenas um dia).
Ela se monta por 24h, mais do que isso não consegue: carrega
o medo de se desmanchar com a luz e desiludir a expectativa do próximo.
Seus cuidados são vinganças: à infância, ao deboche da
família, ao bullying na escola.
Dentro dela, ela continua uma nerd. Guardará para sempre a
imagem de menina inteligente e problemática, de gorda balofa, de desengonçada e
fora do time, de alta girafa, de sardenta enferrujada, de vesga fundo de
garrafa.
Não adianta convencê-la de que ela é linda, ela se acorda
despenteada e nasce de novo, como se não tivesse vivido antes.
Não é falsa modéstia, sequer é modéstia, ela se percebe feia.
Toda mulher bonita acredita que, no máximo, pode se ajeitar.
Em seus olhos, corre uma insatisfação permanente que não
permite descanso e luto.
Se seus cabelos são lisos, ela gostaria que fossem cacheados;
se são cacheados gostaria que fossem ondulados, se são ondulados gostaria que
fossem crespos.
A beleza é uma conclusão. E toda mulher vive de dúvidas, toda
mulher é uma pergunta.
Uma insaciável pergunta.