Só a paixão absolve a loucura.
Se não estiver apaixonado, não aceitará que a pessoa ligue 10
vezes ao dia, mande centenas de mensagens simultâneas no Facebook e no
WhatsApp, pergunte onde você está e o que anda fazendo, que partilhe música
favorita e fique angustiada até aparecer o aviso de que você ouviu.
Entenderá que ela está perseguindo, é uma doente, uma
carente, uma histérica, não tem com o que se preocupar. Vai descartar o caso
confiando que se livrou de uma roubada.
Mas, se estiver apaixonado, achará tudo adequado e preciso,
que ninguém compreendeu sua rapidez antes, compreenderá a insistência como
dedicação. Responderá as mensagens no mesmo instante, não deixará nada no
vácuo, elogiará as afinidades, dedicará o pior do seu tempo para corresponder
às expectativas, e ainda sofrerá de ansiedade diante de qualquer minuto de
silêncio jurando que é o fim do relacionamento.
Somos todos loucos hoje em dia. Não há mais ninguém normal.
Todos têm traumas, ou perderam um pai ou uma mãe, ou não se dão com a família,
ou têm alguma crise de pânico ou um desajuste profissional. Saúde de verdade
somente depois de morto, e ninguém voltou para se exibir, com exceção de Jesus,
que retornou falando qualquer idioma – até a língua portuguesa – e muito melhor
do que realmente estava.
Se você não admite o comportamento alheio, não tem nada a ver
com a possível psicopatia do sujeito, é apenas porque não está apaixonado.
A paixão isenta a loucura. O apaixonado é um possuído, um
abnegado, extravia a noção da realidade para apressar as fantasias. Não se
interessa em conceituar o que é certo ou errado, mas em se aproximar cada vez
mais, mesmo que seja necessário transgredir suas leis e hábitos. Não julgará,
pois o julgamento é próprio da razão e do discernimento.
Uma festa será a melhor dança da vida. Uma conversa na
cozinha será a melhor confissão da vida. Um cinema será o melhor encontro a
dois da vida. O sexo no sofá será o mais íntimo da vida.
O banal será sublime. O pouco será muito. O recente será
eterno.
O apaixonado superfatura as vivências. Exagera. Extrapola.
Transborda. Cobre seus olhos de tarja preta, não lê prontuários médicos, muito
menos revisa o passado de sua companhia.
E, quando chegar o amor, após a paixão, não descobrirá o
quanto seu par é realmente irritante e insuportável.
Conhecerá uma nova doideira. A doideira da intimidade e da
paciência. A doideira dos defeitos e da imperfeição. A doideira da raiva e da
desculpa. Não enxergará a implicância incorrigível do seu marido ou de sua
esposa. Conhecerá em si um fôlego incansável para brigar e discutir noite
adentro, e uma indisposição incomum para acordar na manhã seguinte e logo
esquecer as diferenças e mágoas.
Só o amor perdoa a chatice.