Meus pais têm um vocabulário
próprio: matar o cachorro a grito, chorumela, nem que a vaca tussa, onde fui
amarrar meu bode, chispa daqui, é dose para elefante, firme na paçoca.
Traduzíamos mentalmente na infância
e na adolescência.
Chover era toró, fazer xixi era
tirar água do joelho, cansar de um assunto era pó da rabiola, lugar distante
era caixa-prego, criança agitada era serelepe.
Eu e os irmãos vivíamos registrando
as expressões, aperfeiçoando o dicionário oral, para não sermos ofendidos de
mocorongos.
Havia um respeito obrigatório pela
língua nativa. Ríamos no começo, depois aceitamos as excentricidades que
destoavam do que aprendíamos na escola, em seguida entramos na fase da vergonha
coletiva.
Revoltávamos no momento em que falavam
em público ou quando se comunicavam com os nossos amigos. Considerávamos os
pais excessivamente velhos, pela estranheza que geravam nos outros. Ninguém de
nossa turma conhecia suas gírias, e recebíamos o encargo de sempre explicar que
porra eles estavam dizendo, se aquilo significava ofensa ou elogio, se estavam
felizes ou irritados.
Sem perceber, acabei herdando uma
das expressões. Incorporei uma das antiguidades familiares. Veio comigo e
continua comigo. Sobreviveu ao meu preconceito e minha ânsia de ser atual.
É a palavra pousar para dormir.
– Pousará fora?
– Onde vai pousar?
– Ninguém pousará em casa,
estaremos viajando.
Acho que pousar é melhor do que
dormir mesmo.
Tem mais sentido para mim.
Pousar também representa quando o
sexo é amor.
Pousar é romântico. Pousar é
renunciar o céu por um lugar definitivo. Pousar é aceitar que não podemos
passar a vida ao vento. Pousar é descansar de longa viagem.
Pousar é tranquilidade, é mansidão,
combina com ficar de conchinha, deitar de pés dados, cheirar o cangote.
Pousar é uma atitude que supera o
descanso. É confiança. É se doar. É se decidir por um canto seguro e acolhedor.
É se enraizar numa árvore.
Eu me imagino descendo do turbilhão
dos acontecimentos, diminuindo o ritmo, distanciando-me da pressão do trabalho.
E vou me acostumando com o silêncio, com a intimidade, com o travesseiro de penas.
Quando amo, não durmo com alguém,
eu pouso com alguém.
Paro de voar. Desisto da altura
pelo chão. A casa é ninho.
Quando amo, sou pássaro. Deixo de
sofrer como homem.