"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



domingo, 12 de abril de 2015

quando amei, surtei


Incrível como o amor é capaz de modificar tudo nessa vida. O amor é capaz de alterar o nosso paladar, pois quando amei de verdade até o jiló virou manjar.

Quando amei, a poça de água da rua virou água cristalina. O bêbado fedorento da esquina recebeu meu abraço fraterno. A fila do bando durou o tempo suficiente para eu enviar trezentos sms. 

Acho fenomenal o efeito do amor, pois até de futebol eu entendo um pouco e sou capaz de fazer a onda com um rebolado sexy imperdível. Amor, amor que muda o humor. Foi por causa dele que aprendi a gostar da sogra. Cozinhar algo mais além de macarrão instantâneo. Lavar as cuecas cantando “Amor I Love You”. 

Foi apenas quando amei que entendi todas as letras das músicas românticas adocicadas que eu detestava. Que passei a sorrir como tonta, para o sol de meio dia. Que minha fome foi saciada com folhas de alface. Culpa do amor. 

Quando amei de verdade, li gibi pensando que eram poemas. Enxerguei estrelas no meio de uma trovoada. Viajei de carona com uma trupe que nada tinha a ver comigo. Acampei numa praia estranha com pernilongos que nunca foram convidados, mas fiz com eles uma boa amizade que me levou a acreditar que insetos podem ser bem simpáticos.
Foi o amor que me fez sentir dor de barriga, frio no peito, dor de cabeça, ficar muda mesmo com mil palavras querendo sair da boca. Acordar cedo. Simpatizar com meu chefe.
O amor, esse sentimentozinho escroto me fez usar o mesmo banheiro. Ensaboar as costas do cara. Memorizar todas as palavras melosas. Arrumar apelidos toscos para um sujeito com um nome pra lá de feio. 

Quando amei fiz diligências em todas as redes sociais a procura de algum sinal que mostrasse algum deslize do sujeito. Anotei a placa. Gravei o número. Fiquei horas ao telefone falando abobrinhas sem sentido. Fiquei de prontidão, tolerando duas horas de atraso para aquela noite romântica, com um sorriso frouxo e raiva no coração. Coloquei salto alto, mesmo adorando rasteirinha. Adotei roupa colada. Passei a usar saias em nome de um ser mais feminino. 

Quando amei, na intimidade fiz papéis variados. Fui bailarina, enfermeira, mulher cobra, chapeuzinho vermelho em poses ridículas. Se fosse teste para comediante, teria lugar cativo.

Quando amei, fiz tatuagem no pulso. Ginástica na madrugada. Usei decotão. Sapatinho. Fiz traquinagens. Gargalhei com bobagens. Corri atrás do amor sem os anéis e quase perdi os dedos. Dancei colada. Subi escadas. Paguei promessas. Li horóscopo. Fui rosa, sendo apenas galhos de folhas secas. 

Se pensarem que parei aqui? Enganam-se. 

Quando amei, eu também deixar de fazer umas coisas que gostava. Nunca mais usei as calcinhas enormes de algodão e minhas gavetas passaram a ficar cheias de lingeries vermelhas igual fogo. Não dormi mais de camisolas furadas e confortáveis. Deixei de colocar máscaras diárias e rodelas de pepino nas olheiras, para não assustar o sujeito.

O amor carregou-me para longe e de bicicleta porque é mais romântico.
Na terra do faz de conta, amei.