Simplesmente sonhar para que outros sonhem junto, não é isso
o que fazem em boa parte os artistas? Bom, eu pensava enquanto apreciava a bela
exposição de obras do pintor espanhol. Todos somos Picassos. Só não sabemos
disso. A gente é uma multidão de picassinhos, mas bobos demais para nos darmos
conta disso, prisioneiros da nossa cotidiana mediocridade, jogando fora a nossa
vida. Que pena, que pena...
Um dia desses, estressada, resolvi fazer aquarela. Pois é,
logo aquarela, que é tão difícil. Tive aulas com uma amiga, grande pintora,
mas, quando ouvi as explicações e abri os belos livros que ela me emprestou,
constatei mais uma vez que não queria aprender teoria nenhuma (a esta altura da
vida, ando empenhada em desaprender uma porção de coisas). Fiz umas aquarelas
ruins, desobedecendo propositadamente às instruções mais elementares. Mas os
títulos eram bem bonitos: Flores Espantadas ao Sol, Olho Azul Aguardando o
Amanhecer, Ascensão Perplexa. Percebi que meu território continuava sendo o das
palavras e desisti de pintar. Não sem antes combinar com minha amiga que um dia
faríamos uma exposição (ela como curadora), em que minhas poucas aquarelas
ficariam voltadas para a parede, só os títulos à vista. A exposição se chamaria
Versos de Aquarelas. Demos boas risadas: grande terapia.
De modo que não falo em sermos Picassos-artistas, mas
Picassos da vida. Para esse homem maravilhoso, o tempo não existia. E não existe,
mesmo: funciona para demarcarmos o horário de nossas atividades, como alimentar
as crianças ou matar o semelhante, contemplar ou criar a beleza, atormentar
alguém de quem queremos nos vingar (essa é mais comum do que imaginamos, ai de
nós). Para Picasso, que enfrentou grandes conflitos pessoais e mundiais, a vida
era um dom precioso demais para ser desperdiçado. Ele a valorizou, apreciou,
respeitou. Soube ser sério, soube ser doido, soube ser humano, soube ser
brincalhão, soube ser igual aos mais simples. Criou obras incríveis, cometeu
erros como todo mundo, foi amigo, apaixonou-se e fez filhos mesmo numa idade
que, para a maioria de nós, os acovardados, é o começo do fim, é a morte
antecipada pelo preconceito ou pela acomodação.
Picasso não se aposentou da existência, como em geral fazemos
aos 50 anos, aos 60 ou pouco depois, se é que não nascemos já aposentados.
Vestimos o pijama ainda que metafórico, arrastamos as pantufas pelo corredor da
vida, para nos sentarmos na cadeira de balanço da amargura, abraçados à
almofada das eternas lamentações – ah, como fomos injustiçados, como nada deu
certo para nós, que tanto nos sacrificamos...
Nem imaginamos que poderíamos, ainda, ou pela primeira vez,
tomar nas mãos as rédeas da nossa sorte e criar: se não quadros maravilhosos,
pelo menos a nossa própria vida – enquanto palpita em nossa alma alguma emoção,
e brilha alguma inquietação em nosso pensamento.