"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

nada a declarar!


Acordei de madrugada sem opinião e fui fritar batatas. Esperava que elas me ajudassem a pensar. Acompanhei o som das borbulhas do óleo quente como quem medita. E, enquanto eu mastigava as batatas, triturei junto com elas qualquer rastro de certeza que ainda me restasse. Com uma pitada de sal marinho. Terminei o prato sem nada a declarar.Voltei a dormir, pois era o que me restava. Amanheci diante do computador e, antes do primeiro gole de café, salvei uma nigeriana do linchamento, ajudei a proteger os golfinhos da poluição de nitrogênio na Flórida, assinei petição contra o ataque dos peixes-frankenstein e ajudei a reconhecer a Palestina como o centésimo nonagésimo quarto estado do mundo. Depois de escovar os dentes, dei o meu clique para proteger o banco de microcrédito de Bangladesh do autoritarismo da primeira-ministra do país. Vesti jeans e camiseta, o par perfeito para quem quer dar férias ao raciocínio. E cheguei ao escritório a tempo de forçar o Parlamento nigeriano a multar uma multinacional petrolífera por derramamento de óleo.

O dia passou automático. Respondi a um bocado de e-mails como se fossem provas de múltipla escolha. Tomei xícaras de café como quem respira. E, quando me perguntaram “Como vai você?”, tive dúvidas sobre o que responder. No elevador, alguém falou sobre o clima e eu não soube o que dizer. Fazia sol naquela manhã?

Talvez eu seja uma pessoa estranha, pensei. Talvez eu seja uma pessoa. Talvez me faltem pilhas AA. Se eu as usasse, teria hoje uma opinião? Talvez fosse apenas um dia para achar nada.

Anos atrás, pontos de vista é que não me faltavam. Mas a juventude é doença que o tempo cura. Hoje, sei o que é essencial. Edredom, edredom, edredom.

Almocei grãos. Servi o prato sem prestar atenção, por isso não lembro quais eram. Mastiguei muitas vezes enquanto não pensava. Voltei para o escritório no piloto automático. Chegando lá, o celular me lembrou da reunião em outro local. Liguei para cancelar.

Precisava me esquivar de perguntas difíceis do tipo “Você acha que essa estratégia funciona?”.

Passei o resto da tarde em frente ao computador, conferindo atualizações do Facebook. Na saída do prédio, encontrei uma amiga que fazia algum tempo eu não via. “O que você vai fazer no Carnaval?”, ela indagou. Fiz um longo silêncio e respondi com um sorriso largo: “Nada”.

O que para o mundo lá fora é folia e música, para mim é um halo de paz. Nada, nada, nada. No Carnaval vou fazer um monte de nada. Que maravilha.