"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quinta-feira, 28 de agosto de 2014

o quase


O candidato à Presidência Eduardo Campos estava no auge da vida pessoal e política. Desapareceu no ar, deixando filhos jovens, uma interrogação na campanha presidencial e um sem-número de piadas de mau gosto. Meu primo Renato seguia reconstruindo a vida com seu entusiasmo quando um infarto deixou o gosto amargo do quase. Seu filho mais novo tinha 4 anos. A esposa terá de refazer não o caminho, mas o destino: o lugar para onde caminhava deixou de existir.

O pai do meu filho foi interrompido em pleno gerúndio. Não teve tempo para ver Francisco além da barriga. 

Quase foi o melhor pai do mundo.

A motorista do ônibus mostrava o trabalho à filha pela primeira vez quando um viaduto lhe caiu sobre a cabeça. Assim, feito piano de desenho animado. E fomos torcer pelo Brasil, cuja derrota não foi um quase.

E o cinema acordou sem Robin Williams. Ele, sim, preferiu não acordar mais: uniu-se aos poetas mortos.

O improvável está por toda parte. Os que o respeitam, nem tanto. Tem morrido gente que nunca morreu antes, diria a piada. Porque, isso, sabemos fazer bem. E, enquanto exércitos de vidas seguem às gargalhadas, outras restam devastadas.

Diante do improvável que insiste, alguns persistem em prever a vida. Cultivam cautela, medo e lugares-comuns como quem desbrava um caminho inédito para a imortalidade. Para não engolir um quase sem aviso, revestem-se de quase-escudos, enchendo o tempo de sorrisos vazios. Há os que vivem para os planos ou lembranças. E há os que se atrevem a viver - são loucos, onde estão com a cabeça?

O brasileiro que não desiste nunca é o fantasma do quase assombrando nossa vida. Palavra que nada diz, nada faz, nada conclui. Preguiçosa e sem ambições, mata aos poucos e talvez sem dor. De quase em quase, vamos todos chegando ao final - não por ordem de chegada.

Enquanto isso, felicidade é palavra arisca: vem e vai quando bem entende. É preciso se abrir para ela: fazer a cama, perfumar a casa, afofar o sofá. Pode se esconder sob a poeira da estrada, apertada entre dois dentes ou escorrendo no suor das costas. Não se orna de certezas nem de garantias. Não anseia pelo que vem depois. Seu tempo é preciso e suave. Sua eternidade cabe num segundo.

Para não morrer de quase, há que se jogar inteiro: olhar com a sede da primeira vez e o zelo da última. Cultivar cócegas de medo como quem frequenta montanha-russa. Comprar loucurinhas no supermercado. Surpreender o previsível. Abandonar velhas convicções como quem sai para comprar cigarros. Ter certezas como se não fossem. Abanar as brigas com sopros de riso. Chorar, muitas vezes. 

Beijar o tempo. Viver a vida no infinitivo. Para receber o ponto final sem sofrer a saudade do que não foi.

[ publicado na Veja BH ]