Quando se diz que uma imagem vale mais do que mil palavras, logo pensamos em cenas e fotografias que não carecem de explicação: a força de sua mensagem dispensa legendas. Mas imagem não é apenas algo que se enxerga concretamente.
Quando vi a foto do caixão de Ronald Biggs coberto pela nossa bandeira, sabia
que aquilo significava apenas uma homenagem do filho brasileiro que o ladrão
inglês teve, mas, subliminarmente, a imagem também fazia uma associação
indigesta entre o banditismo e as cores verde e amarelo. Essa imagem negativa
que temos do nosso país não é gratuita. Por maior que seja a quantidade de
brasileiros honestos, incluindo até alguns políticos, não adianta: o Brasil tem
um histórico de corrupção e violência que induz a essa percepção.
Percepção é algo que se constrói dia após dia, fato após fato, e que uma vez
consagrada, é difícil mudar. Mesmo que todos os trens da Inglaterra partam e
cheguem com atraso nos próximos meses, será preciso anos para desfazer a imagem
que aquele país tem de pontual. O contrário também acontece. Ronald Biggs,
depois que fugiu para o Brasil, não roubava mais nem no troco, era apenas um
aventureiro que se transformou em uma folclórica subcelebridade. O episódio do
assalto ao trem pagador, cinco décadas antes, foi deixado de lado em prol da
construção de uma imagem de anti-herói, e ele acabou sendo enterrado com
cobertura da imprensa.
Poucas coisas são tão fortes quanto a imagem que a gente cria. E como todos
gostam de saber com quem estão lidando para evitar surpresas, essa imagem vira
referência e pode agir a nosso favor e também contra - preconceitos vêm daí.
Nem todo alemão é sisudo, nem todo baiano é preguiçoso, nem todo gaúcho é
machista, mas essa é a “foto” que guardamos deles em nossos porta-retratos
mentais. Estereótipos de grupo. Individualmente acontece a mesma coisa. A sua
vida passa como se estivesse numa esteira de linha de produção, até que um dia
você ganha um rótulo – que não veio do nada, você de certa forma colaborou para
ser etiquetado como um fofoqueiro, um bebum, um mulherengo.
E também colaborou para ser reconhecido como um cara focado, um homem
responsável, um sujeito que cumpre o que promete. Você pode mudar? Pode. Para
melhor e para pior. A vida é longa. Angelina Jolie passou de bad girl a cidadã
ativista e de família - adotou crianças, visitou países assolados pela fome, a
nossos olhos virou outra pessoa.
Mas, para comuns mortais, é bem mais penoso reverter a própria imagem. A
imprensa não cobre.
Rótulos, mesmo os bons, são limitadores. O ideal seria que pudessem esperar
qualquer coisa de nós, já que somos mesmo capazes de surpreender. Mas o mundo
se apega às certezas, não às dúvidas. Então, tenha em mente que tudo o que você
faz (e principalmente o que você repete) ficará arquivado na memória daqueles
com quem convive, e será um trabalhão desfazer essa imagem. Não que seja
impossível, mas vai exigir mais do que mil palavras.