"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



sexta-feira, 27 de dezembro de 2013


As festas de fim de ano produzem nas pessoas sentimentos contraditórios: euforia, entusiasmo e expectativa dividem espaço com nervosismo, irritação e decepção.
Parece inevitável fazer, pelo menos mentalmente, uma espécie de “balanço” do ano que passou.
Como somos seres humanos limitados, é bastante provável que cheguemos à conclusão de que nem tudo saiu como estava previsto, e que isto nos cause uma certa tristeza.
E tristeza é o que menos parece combinar com esta época festiva e iluminada.

Já ouvi de mais de uma pessoa a reclamação de que o Natal é uma festa triste, melancólica, e que o Ano Novo sim, é uma festa de verdade.
O que ocorre é que Natal é uma festa que implica em elementos que precisam ser construídos ao longo de todo o ano.
Para que não seja solitária, é preciso que tenhamos construído relações.
Para que seja familiar, é preciso que tenhamos dedicado atenção a quem consideramos que seja a nossa família.
Para que seja pacífica e tranqüila, é preciso já ter começado a encarar as discordâncias e problemas meses atrás.
Para que as luzes revelem uma alegria verdadeira, é preciso que exista uma base real nesta alegria, fruto de um trabalho que dura o ano inteiro.
Do contrário, as luzes de Natal só servirão para enganar o olhar e disfarçar o que não está bem.

De fato, o Ano Novo parece mais fácil de suportar: depois de uma comemoração tipo “catarse”, onde todos os demônios são colocados para fora, no outro dia só resta o esquecimento.
É lavar o corpo no mar, sacudir a ressaca e começar do zero – de novo.
O problema é que, se começamos todo ano do zero, não construímos nada, e no ano que vem tudo se repetirá.
E assim a vida vai seguindo, entra ano e sai ano, sem que nada se acrescente.

Quando pensamos num Natal feliz, em geral o quem vem à cabeça é um Natal da infância: as crianças costumam esperar ansiosas pelas festas, e aproveitá-las como ninguém.
Discórdia na família, nervosismo, irritação e problemas financeiros, nada parece impedir que elas se divirtam, ainda que seja com os brinquedos mais simples.
Um dia tivemos também esta capacidade: para onde ela foi?
Por que não conseguimos mais ignorar os problemas e achar que o pinheiro está lindo, que a comida está ótima, que este monte de gente reunida é a coisa mais divertida do mundo?

O que acontece é que as crianças são as únicas que vão à festa na simples condição de convidadas. Elas não têm nada a ver com a preparação das festas, que na verdade já começou no início do ano, e que vai determinar o clima, a alegria e a disposição de festejar dos participantes.
Crianças não têm nada a ver com brigas de família, dificuldades financeiras, insatisfação profissional e frustrações dos mais diversos tipos.
Elas chegaram depois, e não participaram de nada disso.
Esses problemas não são seus, e por isso é que elas conseguem se divertir tanto.
E esse é um direito sagrado das crianças, porque só se tem uma infância para vivê-lo.

Quanto a nós, adultos, resta que assumamos plenamente a condição de construtores da festa.
Que comecemos a pensá-la não dois ou três meses antes, mas na manhã do dia 1º de janeiro anterior.
Que possamos admitir que os “demônios” não são exorcizados no banho de mar de Ano Novo, mas que nos acompanham ao longo do ano, e que precisam ser escutados com atenção.
Do contrário, estarão presentes assombrando a festa de Natal do ano que vem.