"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



terça-feira, 17 de setembro de 2013

da arte de engolir sapos


Ter um cãozinho, um gato ou um coelho como bichinho de estimação, tudo bem. Mas se o menino quisesse ter um sapo como bichinho de estimação, os pais tratariam de levá-lo logo a um psicólogo para saber o que havia de errado com ele. Sapo é bicho de pesadelo.

Nas estórias infantis, a bruxa poderia ter transformado o príncipe numa girafa, num tatu ou num gato. Escolheu transformá-lo no mais nojento, um sapo. E há aquela estória em que o sapo queria dormir na cama com a princesinha. Tão horrorizada ficou de ter de dormir com um sapo que ela, para evitar os beijos e seus desenvolvimentos inevitáveis, pegou-o pela perna e o jogou contra a parede. Esse ato teve efeito mágico pois que, ao cair no chão, o sapo transformou-se em príncipe. 
Já aconselhei pessoas a lançar contra a parede seus sapos e sapas conjugais, para ver se o contra-feitiço funciona também para os humanos. Parece que não.

O horror do sapo parece também numa sugestiva expressão popular: “ter de engolir sapo”. Não existe nada mais nojento que sapo.
Não há forma de engolir sapo com prazer. Engolir um sapo é ser estuprado pela boca. 

Há pessoas que engolem sapos por medo. Bem que seria possível evitar a repulsiva refeição, mas elas preferem engolir o sapo a enfrentá-lo. Não têm coragem de pegá-lo e jogá-lo contra a parede. 

Muitos dos sintomas neuróticos que afligem as pessoas resultam de sapos engolidos e não digeridos.
Ninguém engole sapo de livre vontade. Engole porque não tem outro jeito. Tem sempre alguém que nos obriga a engolir o sapo, à força. 

A pessoa que nos obriga a engolir o sapo, a gente nunca mais esquece. Diz a Adélia que “aquilo que a memória amou fica eterno”. Aí eu acrescento algo que aprendi no Grande Sertão. Conversa de jagunços matadores. 
Diz um: “Mato mas nunca fico com raiva”. 
Retruca o outro, espantado: “Mas como?” 
Explica o primeiro: “Quem fica com raiva leva o outro para a cama.” 

É isso. A gente leva, para a cama, a pessoa que nos obrigou a engolir o sapo. A raiva também eterniza as pessoas. Não adianta falar em perdão. A gente fica esperando o dia em que ela também terá de engolir um sapo. Ou como dizia uma propaganda antiga de loteria, a gente reza: “O seu dia chegará...”