"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



terça-feira, 16 de julho de 2013

já anoiteceu


Estamos aqui reunidos para celebrar o casamento de Stefan e Eliza.
Quero agradecer a presença dos familiares e dos amigos convidados.

Sem querer, o casal está realizando o sonho de minha mãe.
É, minha mãe gostaria que um de seus filhos fosse padre. Não entendia a desigualdade divina, como o vizinho teve três padres e uma freira em sua família e Deus não reservou nenhum para ela.
Sei que os poetas aproximam corações, mas não esperava tanto.

Amor tem algo de louco. Insano. Vocês vivem juntos há seis anos, há 12 anos se conhecem.
O tempo passa rápido para os outros, não para vocês. O tempo está vivo em vocês. Minucioso. Detalhista. Obcecado.
É como ficar o dia inteiro em casa. E, de repente, perceber que anoiteceu.
“Já anoiteceu!”  é uma das expressões mais bonitas. Já anoiteceu significa que não controlamos as horas. Já anoiteceu é sinônimo de alegria, de esquecer o que há lá fora por aquilo que carregamos dentro.

Casar é anoitecer. É quase a perguntar: “Como chegamos aqui?”
Eu respondo: Vocês não notaram. Apaixonados, não se preocuparam com a janela. Vocês anoiteceram. Um olhando o outro. Preocupados apenas em um olhar o outro.
Está noite lá fora enquanto sempre é manhã para os dois.

Parece que foi ontem, parece que foi na próxima semana, parece que acabaram de se encontrar.
O amor torna tudo sempre recente. O mais antigo é também agora.

Lembro de uma história de meu avô. Ele era do interior do estado e visitou os filhos na capital. Perante uma escada rolante, não vacilou, como todos faziam na época. Subiu, desajeitado, cuidando para não enroscar os longos cadarços na esteira movediça.
Seus filhos, espantados com a coragem, logo perguntaram:
- Como você não teve medo?
Ele respondeu de bate-pronto, sem modéstia:
- Ora bolas, nada demais, na viagem de carro eu sou a escada rolante da paisagem.

Quando amamos, não reparamos os degraus; somos a escada.

É certo que todos vão envelhecer, menos Stefan para Eliza e Eliza para Stefan. Guardarão a imagem intocável da primeira vez que se observaram.

Não vão envelhecer, porque o amor perdoa o tempo. As rugas, os vincos, os cabelos grisalhos, nada disso virá para quem ama. Não virá porque um dia Stefan olhou para Eliza e se convenceu: nunca mais vou esquecê-la. Eliza olhou para Stefan e se bastou: nunca mais vou esquecê-lo. E aquele rosto apanhado em segredo - como uma água-forte – é uma espécie de resistência.

Vocês podem esquecer que existiram, nunca que se amaram.
Podem esquecer qualquer coisa, até a si mesmos, mas nunca mais poderão esquecer que se amam.

O rosto de Eliza é a promessa de Stefan. O rosto de Stefan é a promessa de Eliza. Quando vocês acariciam suas feições, tocam em palavras. E palavras de amor não podem ser apagadas, nem corrigidas. Palavras são destinos.

Tentem escolher uma única lembrança alegre de vocês... Descobrirão que será difícil selecionar. Não há como escolher, não é que faltem lembranças boas, sobram lembranças boas, e ambos não desejam injustiçar nenhuma delas.

Na verdade, a memória do casal tornou-se uma só recordação. Ininterrupta. Perdas, festas, intimidade, risos, suspiros, brincadeiras, dores, superações, tudo está junto. Misturado.

A tal ponto que Stefan talvez tenha inserido Eliza em suas fotos de infância. Encontrou um jeito de fazê-la participar de toda a sua história. A tal ponto que Eliza talvez tenha colado a figura de Stefan no seu álbum de fotografias de pequena.

Quando se ama alguém, ama-se a vida inteira daquela pessoa. Inclusive o que não se viveu.
Para alguns, gentileza é dar flores, elogiar. Não é isso! Não há gentileza maior do que preservar sua mulher ou seu marido na linguagem. No dia-a-dia, na rotina e na miudeza do verbo. Ser afetuoso no sopro e na saliva. Cuidar dele, cuidar dela em cada palavra.

Há alguém que sabe mais do Stefan do que Eliza?
Duvido.
Há alguém que sabe mais de Eliza do que Stefan?
Duvido.

O casamento é quando finalmente abrimos a nossa guarda. Não deixamos nada de fora. Contamos o que não entendemos, partilhamos o que não conseguimos sofrer sozinho - nos dividimos inteiramente.

Se você, Stefan, conhece a fraqueza, os segredos, as dúvidas, os medos de Eliza, tem uma única obrigação durante a vida: protegê-la! Porque qualquer destrato seu irá doer nela duas vezes, porque ela não mais se defende de você.

Se você, Eliza, conhece a delicadeza, o espanto, os pavores, o luto de Stefan, tem uma única obrigação durante a vida: protegê-lo! Porque qualquer ofensa sua irá doer nele duas vezes, porque ele não mais se defende de você.

Confiança é o elo do amor. Podemos amar, mas sem confiança o amor não se mantém. A confiança é uma amizade renovada pela admiração, uma lealdade que a morte não interrompe.

- Stefan: Você ama Eliza?
- Eliza: Você ama Stefan?

Confiar dispensa qualquer nova pergunta ao ouvir o “eu te amo”. O que vier depois disso será resposta.
Como esse casamento.
Eu abençôo os noivos. Casados em nome da poesia.

#rdb:
Este texto foi interpretado pelo autor, na cerimônia de casamento de Eliza e Stefan, 
no dia 29/03/08, na Vila Mariana, em São Paulo.

“Quem melhor do que meu poeta preferido para celebrar o amor?” 
foi o argumento de Eliza para convencer o Fabrício.

E eu achei lindo, é claro!