"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quinta-feira, 18 de abril de 2013


Não existe amor errado. Existe somente amor que não se convenceu. É senso comum defender que o casamento desmorona após dez ou quinze anos. Que chega a monotonia, o tédio, o marasmo. Os casados têm que atravessar uma praga, uma maldição dos divorciados, desbastar o olho gordo, resistir a essa música bate-estaca nos ouvidos. Quem pergunta "quanto tempo tem seu casamento?" e recebe uma resposta acima de uma década, solta uma risadinha cínica. A risadinha cínica está a afirmar: "espera, a tragédia virá!".

Casado, me vejo como um ingênuo, um idealista, como uma criança que olha sexo na tevê e o pai apaga e avisa que no futuro ela entenderá. Não concordo com o hábito de ser pessimista para não sofrer depois. O pessimista sofre duas vezes, antecipando e cumprindo. O otimista, no máximo, sofre uma única vez. E nem sempre se aprende com o sofrimento. Já vi gente que sofre barbaridade e não muda nada. Sofre e termina mais egoísta, mais cético, mais isolado, mais frio. Pode-se aprender com alegria, não? A alegria ensina, ainda mais depois das dificuldades.

Da onde vem essa fobia da longa convivência? Será que a mulher com quem vivemos se torna indiferente, deixa de oferecer toda a intensidade de antes, ou o amor é que se torna mais exigente com o tempo e se especializa em reivindicar. Poucos param para sondar essa hipótese: é natural o amor ficar excessivamente severo, já que agora tem uma história e a fortuna dos dias, a tal ponto que cobra o que nem precisava. Não é o amor de antes que acabou, o amor de antes ficou tão grande que vê tudo como falta de amor. Perto do que se transformou, o mundo é pequeno para alojá-lo.

O amor é insaciável. Quanto mais obtém mais quer. Diferente da amizade que não aposta alto e se contenta em proteger o que obteve em vida. A amizade larga a roleta ao empenhar um único lance. O amor não. O amor se endivida até pedir falência. O amor tem uma fome obscena, pois devora a própria memória se necessário, devora a própria imaginação se preciso.

O que cada um representa individualmente é diferente do amor dos dois, assim como um filho é diferente dos pais. O amor dos dois é uma outra entidade, resultado de todos os momentos em que sentaram juntos e dividiram os movimentos das sobrancelhas. O amor dos dois é mais forte do que o amor pessoal. O amor dos dois faz com que o passado seja pouco, que o futuro seja pouco, que o corpo seja pouco. O amor dos dois é justamente o que pode apartar. Incrivelmente o marido e a mulher sentem ciúme do amor que criaram.