"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Do túnel do tempo


Eu sou de um tempo distante, o chamado "Tempo do Onça", tempo em que qualquer máquina era uma geringonça...
Sou do tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça, que aos domingos a gente ia à missa...
Trago lembranças bacanas das Casas Pernambucanas, das farras, no bonde aberto, dos chapéus da Casa Alberto.
Tempo em que adultério era crime e o Flamengo... ainda tinha time.
Do busca-pé, do rojão, sou do tempo do xarope São João!

Venho do tempo em que menino só gostava de menina, tempo do confete e serpentina nas festas de Carnaval do Sírio, do Monte Líbano, dos bailes do Municipal.
Sou do tempo do bicarbonato, do lançamento do Sonrisal.
Sou do tempo em que futebol era para macho, em que ninguém sossegava o facho nos bailes de formatura, dos play-boys botando banca.
Tempo que o telefone era preto e a geladeira era branca!
Sou do tempo em que se confiava nas companhias aéreas, em que a penicilina curava as doenças venéreas!
Sou do tempo da Rádio Nacional, do lança perfume no Carnaval, do calouro na hora da peneira.
Tempo em que "pó", era o mesmo que poeira...
Tempo do terno risca de giz, da calça de boca apertada, da Lapa de Madame Satã, de poder ir torcer no Maracanã e lembrar da mãe do juiz...

Sou do tempo do Dói-Codi, do comigo-ninguém-pode, da ditadura envergonhada.
Sou do tempo em que "ficar" era não ir...
Tempo de permitir passeios à beira-mar.
Tempo de se curtir a vida sem medo de bala perdida, tempo de respeito pelos pais.
Enfim, sou de um tempo que não volta mais...

Sou do tempo da brilhantina, do laquê, da Glostora, do Gumex.
O correio não tinha Sedex o que vinha era telegrama trazendo uma má notícia...
Sou do tempo em que a polícia perseguia todo sambista que tivesse alguma fama.
Tempo em que mulher é que usava brinco, em que as portas não tinham trinco, e que se dizia "demorou", só pra quem chegasse atrasado...
As calças não perdiam o vinco.
Picada, era só na bunda, se aquela febre profunda não tivesse melhorado...
No meu tempo, coca era refrigerante e todo homem elegante abria a porta do carro.
Aceitava-se qualquer cigarro sem medo de ser um novo fato.
Só preço podia ser barato, "bicho" era só o animal.
"Cara", o rosto do pobre mortal...

Sou do tempo do tergal, do ban-lon, do terilene, da Emilinha e da Marlene no sucesso musical.
Sou do tempo do mocinho e o vilão com cara de mau, do reclame de fortificante do óleo de fígado de bacalhau.
Sou do tempo do coreto e da banda, do velho cigarro Yolanda vendido na venda da esquina...
Sou do tempo da estricnina, veneno tão poderoso!
Sou do tempo do leite de magnésia, do sagu, do fubá Mimoso, do fosfato que curava a amnésia.
Sou do tempo da cocoroca do tempo da Copa Roca que muita gente não viu.
Do progresso tão abrupto que todo mundo assistiu.
Porém: Político corrupto, o rato que sai da toca, ora!... esse, sempre existiu!...
Sou do tempo em que Benjor se chamava Jorge Bem, a carne do bife era acém, ração de cachorro era bofe.
No meu tempo, não havia estrogonofe.
Sou do tempo do tostão e do vintém, da zona com seus bordéis, programas de dez mil réis...
Sou do tempo da Cibalena e do Veramon, só não vi a revista Fon-fon.
Assisti filmes do Rin-tin-tin.
Sou do tempo da confeitaria Manon da magia, do pó de pirlimpimpim.
Colecionei estampas Eucalol, acompanhei o lançamento da Avon, tomei o fortificante Calcigenol.
Sou do tempo da PRK 30, do rádio tipo capelinha, dos contos da Carochinha, do remédio anunciado:
"Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado...
Mas, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rhum Creosotado!".

Sou do tempo da Cafiaspirina, da compressa de antiflugestina, do bálsamo de benguê...
Fui leitor do almanaque Tico-Tico, tempo em que trabalhador ficava rico...
Sou do tempo da Casa Cave do taco com cera Parquetina dos discursos do Presidente Gegê.
Sou do tempo do óleo de linhaça, andei na Maria Fumaça, li muito a revista Cruzeiro, escrevi com caneta-tinteiro, separei o joio do trigo, vi muito vigarista na cadeia...
Só não fui garçom da Santa-Ceia.
Também, não sou assim tão antigo!...

(Carlos Alberto L. Andrade)