"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



terça-feira, 18 de setembro de 2012


(Carta ao Rafael - do livro Feliz por nada)

Bem-vindo, Rafa.
O mundo é legal, desde que a gente saiba lidar com suas contradições.
Tem muita beleza e miséria, dias de sol e temporal, pessoas que dizem sim e que dizem não, e muitos cruzeirenses* e americanos* infiltrados dentro da tua família.
Mesmo assim, não pense que você vai ter opção.
Não se deixe enganar pelas roupinhas azuis, essa não será sua cor preferida.

Desde que você saiu da barriga, está escutando votos de saúde e felicidade (mesmo que, por enquanto, tudo não passe de um barulho incompreensível e que você já esteja com saudade do silêncio uterino).
Pois saiba que são votos clichês, mas os clichês são sábios: saúde e felicidade é tudo o que você precisa nessa vida.
Só que tem que dar uma mãozinha.

Então, pratique esportes, se alimente bem e não fume: a saúde já estará 50% garantida, o resto é sorte.
Quanto à felicidade, o jeito é tentar fazer boas escolhas.
Como fazê-las?
Ninguém sabe ao certo, mas ser íntegro e não se deixar levar por vaidades e preconceitos promove uma certa paz de espírito.
Ser feliz não é muito difícil, basta não ficar obcecado com esse assunto e tratar de viver.
Quem pensa demais, não vive.

Não brigue muito com suas irmãs*, elas serão suas melhores amigas,
mesmo que você não acredite nisso quando elas não quiserem emprestar alguns brinquedos – o carro delas, por exemplo.

Você vai ser louco, apaixonado, babão por sua mãe.
É natural. Mas não deixe que suas namoradas percebam.

Cada vez mais o dinheiro controla os desejos.
É importante ganhá-lo, porque sem independência não somos donos de nós mesmos, mas para ganhá-lo você não precisa perder nada: nem escrúpulos, nem caráter, ou você estará se deixando comprar.
Não se deixe controlar por ele.
Pelo dinheiro, digo, porque pelos desejos você não só pode como deve se render.
Mas não seja um heartbreaker profissional, a mulher da sua vida pode lhe escapar das mãos.

Ia esquecendo: estude inglês.

Uma vida sem arte é uma vida árida, sem transcendência, um convite à mediocridade. Então desfrute de muita música e cinema, e quando suas garotas tentarem lhe arrastar para um teatro, vá sem reclamar, há 30% de chance de você gostar.
Importante: se alguém disser que ler é chato, mande se entender comigo.

Tédio é para os sem inspiração.
O mundo oferece estradas, passeatas, eleições, aeroportos, ondas, montanhas, campeonatos, vestibulares, desafios, churrascos, festivais, feriadões, roubadas, gargalhadas, madrugadas e declarações de amor.

É assim mesmo, tudo misturado e barulhento.
A saudade do silêncio uterino vai lhe surpreender muitas outras vezes.
Busque esse silêncio dentro de você.

Então é isso, Rafa, seja corajoso e grato: nascer é um privilégio concedido a poucos, ainda que sejamos bilhões.
Não desperdice a chance e esteja consciente de duas coisas: que sem alegria não vale a pena, e que Rafa é um apelido do qual você não escapa.

(Com esse texto,
faço minha homenagem ao (também) Rafael, que hoje sopra 11 velinhas.
Parabéns, Rafa!)

* modificado