"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



sábado, 18 de agosto de 2012

O sexo dos roteiristas


Eles estão pelados no sofá da sala.
Sentem um tesão intenso, mas não é exatamente por seus corpos.
É que ele acabou de contar que o fulano ator sensação do momento topou fazer seu filme.
Ela fala então da sua peça, que está super bem cotada entre atrizes não menos famosas e interessantes.
Gozam através do talento que têm em reconhecer o talento do outro e de reconhecer, no outro, o seu talento reconhecido.
É praticamente uma suruba e são apenas duas pessoas que sequer se encostam.
Uma masturbação intelectual própria estimulada pela própria masturbação intelectual do outro.
Ela pede pra ver o roteiro.
A impressora cospe sulfites desenhados com pensamentos.
Ela acumula tudo numa torre túrgida de papéis geniais.
Gostaria de ler seus diálogos pelos olhos devoradores de seu útero.
Ele ama as pessoas pelo o que elas criam e perdeu a capacidade de enxergar contornos de peles ou admirar grafismos musculares.
Ela gosta do que eles têm a dizer e, então, ele diz que são sete filmes, duas peças de teatro, três seriados e um programa de auditório.
Ela começa a suar, geme alto, contorce os dedinhos dos pés.
Chegou a hora dela ficar por cima: são cinco livros, quatro seriados, dois filmes e uma novela.
Ele revira os olhos, lambe em vão o lábio ressecado, morde o dedo e, com seu punho firme e inchado, fala em seu ouvido: “ten-di-ni-te de tanto escrever”.
Ela lhe mostra as marcas da acupuntura e fala em seu ouvido “le-são-por-cau-sa-dos-mo-vi-men-tos-re-pe-ti-ti-vos no computador”.
São múltiplos, infinitos e intensos os prazeres que sentem.
Ele diz que quer ver o edital.
Ela diz se ele não prefere ver o fundo setorial.
Ela pergunta “estou bem” e ele responde “tem um pouco de barriga, mas a gente corta na edição final”.
Algo duro e violento bate de repente.
É a claquete de um trailer no Youtube.
Depois é a vez dela mostrar.
Me mostra, ele pede. Mostra pra mim, ele sussurra.
Ela então pega o rígido cone e o manipula até abrir.
Sem vergonha, o imenso cartaz se arregaça no meio da sala.
Faz pra mim aquilo que eu gosto, ela pede.
Ele sorri, feliz em poder dar a uma mulher o que ele tem de melhor.
E então enfia um subplot, sem dó, bem no meio da sua subtrama.
Tá quase, tá quase, me espera.
Falta muito?
Quase.
Quase, agora, aahhhhhh.
E finalmente o nome dele aparece nos créditos.
Satisfeitos, felizes e realizados, eles finalmente silenciam.
Absolutamente solitários, se fazem companhia.
Exaustos, descansam para a maratona que começara novamente assim que o off do galo cantar.