- Mas qual é a vantagem de fingir que não há
o problema?
- Quando ele é insolúvel, a vantagem é que
você não terá que resolver algo que não tem como ser resolvido.
- Tipo o quê?
- Tipo o fim do amor. Para os mais jovens, o
fim do amor pode ser resolvido com o término do casamento.
Inclusive, acho isso uma grosseria...
- Isso que não entendo nesse
assunto de abismo...
- Desculpa, filha, mas abismo é viver.
Não estamos à beira dele, estamos nele.
E todo mundo age como se fosse um herói por
contornar crises, por meio do debate, ou não.
Todo mundo vai fazer análise, justamente para
não olhar para a pessoa ao lado e dizer: 'eu tenho
vontade de vomitar quando escuto os teus passos.'
E isso não se diz numa conversa.
Você não pode virar para a mãe dos seus
filhos e falar: 'olha, eu não
te odeio, te desejo tudo de melhor, mas eu não te amo mais', sem
que isso venha cheio de acusações.
Quando, no fundo, no fundo o amor não dura.
E nem me venham em falar que o que não dura é
paixão.
A idéia do amor está lá, faz parte da nossa
cultura, essa tal transformação do amor.
Podemos dizer: 'eu não te amo como te amei, mas esse amor se transformou, e
eu amo ver televisão com você, eu amo saber que, se eu tiver um treco e ficar
todo cagado, você me limpará.'
Isso é que é indiscutível.
O amor não se transforma, ele se esgota, e a
gente vai levando, por vários motivos.
E saibam, muitos desses motivos não são nada
nobres.