"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quinta-feira, 30 de junho de 2011

Da arte de pedir em namoro


É namoro ou amizade?
Rolo, cacho, ensaio de amor, romance ou pura clandestinidade?

“Qualé a sua, meu rapaz?!”, indaga a nobre gazela.

E o homem do tempo nem chove nem molha. Só no mormaço, só na leseira das nuvens esparsas.

No tempo do amor líquido, para lembrar o título do ótimo livro de Zygmunt Bauman sobre a fragilidade dos encontros amorosos, é difícil saber quando é namoro ou apenas um lero-lero, vida noves fora zero...

Cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico, o cara nervoso, se tremendo como vara verde: “Você me aceita em namoro”?

(...)

São raros, raríssimos hoje esses nobres pedidos.
Em alguns setores mais modernos e urbanos, digamos assim,
talvez nem exista mais.

O amor e as suas mudanças.

A maioria dos homens, além de não pedir em namoro, além de não pegar no tranco, ainda corre em desespero diante de uma sugestão ou proposta de casamento feita pela moça.

O capítulo bom da história é que agora as mulheres também partem para o ataque e, diante de uns temerosos ou acanhados sujeitos, escancaram suas vontades, suas paixões, e fazem suas apostas, seus pedidos, põem na mesa os seus desejos e as cartas de intenções.

Voltando ao mundo dos homens, lembro que era bem bacana esse suspense masculino do “você quer namorar comigo?”

Havia sempre o medo do fora.
Um sim, mesmo o mais previsível, era uma festa.

“Quer namorar comigo?”

No tempo do “ficar”, quase nada fica, nem o amor daquela rima antiga.

Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito.
O ato das mãozinhas dadas no cinema, por exemplo,
ainda é o maior dos indícios.

Tanto quanto um bouquet de flores, mais do que uma carta ou um e-mail de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito, daqueles que tiram o gloss e a força dos membros inferiores.

“Vamos pegar uma tela, amor?”, como se dizia não muito antigamente.

Eis a senha.

Mais até do que um jantar à luz de velas, que pode guardar apenas um desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo jogado e marketeiro.

O cinema, além da maior diversão, como diziam os cartazes de Severiano Ribeiro, é a maior bandeira.

Nada mais simbólico e romântico.

Os dedos dos dois se encontrando no fundo do saco das últimas pipocas...

Não carecem uma só palavra, ainda não têm assuntos de sobra.

Salve o silêncio no cinema, que evita revelações e precoces besteiras.

Ah, os silêncios iniciais, que acabam voltando depois, mas voltando sem graça, surdo e mudo, eterno retorno de Jedi.
"Nada mais os unia do que o silêncio", escreveu mais ou menos assim, com mais talento, claro, Murilo Mendes, poeta dos melhores e mais líricos.

Palavras, palavras, palavras...

Silêncio, Silêncio, silêncio...

Dessas duas argamassas fatais o amor é feito e o amor é desfeito.
Simples como sístole e diástole de um coração que ainda bate.

[Xico Sá]